DISCURSOS INAUGURAIS





ACADEMIA ARARIENSE-VITORIENSE DE LETRAS - AVL

Fundada em 29 de janeiro de 2000


Pessoa Jurídica registrada nos cartórios do 1º ofício das comarcas de Arari (reg. nº 286, lançado nas  folhas 64 a 65, verso, do Livro A-2) e de Vitória do Mearim (reg.  nº  436, lançado na folha 248 do Livro A)


PRIMEIRA DIRETORIA (CONSELHO ADMINISTRATIVO)
(Biênio Janeiro/2000 a Janeiro/2002):
PresidenteWashington Luiz Maciel Cantanhêde
Vice-PresidenteJosé de Arimatea Leite Coelho
1º SecretárioAírton Marinho Macedo
2º SecretárioJosé de Ribamar Fernandes
TesoureiroJoão Francisco Batalha


Fac-símile da capa e contracapa (abaixo) da Revista AVLAno 1- nº 1 - Abril de 2001 onde foram publicadosos discursos inaugurais



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DISCURSOS PROFERIDOS
PELOS FUNDADORES
DA ACADEMIA ARARIENSE-VITORIENSE DE LETRAS
NA SESSÃO INAUGURAL


1. Discurso proferido pelo acadêmico Arimatea Coelho, em Arari

  
Meus senhores,
Minhas senhoras!

Até poucos instantes atrás, existiam apenas dois caminhos que ligavam a minha terra natal a esta.
O primeiro caminho era o que desembocava na tresidela desta cidade, - caminho de chão de barro escorregadio, amassado por muitos pés ansiosos.
De Vitória, seguindo seu rumo até aqui, atravessávamos os campos verdes das jaçanãs e o teso vasto e assombroso onde não habitava vivalma. Naquele mundaréu de distâncias, apenas se ouvia o canto triste da fogo-apagou solitária, escondida na moita de capim.
Por este caminho, caminheiro noturno que se aventurava, tinha que andar atento, com as mãos na cruz do rosário para não ser surpreendido pela croacanga que apavorava, fazendo com que o viajante passasse a noite inteira andando em círculo, desnorteado.
Croacanga, ou boitatá, ou fogo-fátuo era alma penada de alguém que não conseguira salvação pelas malvadezas que praticara em vida.
Este caminho quase não existe mais. A pressa e a cobiça dos homens práticos e insensíveis lhe cortaram as curvas, destruíram o ninho da fogo-apagou, e a croacanga - com seu fogo repentino, iluminando num clarão, aqui e ali, o campo seco - não mais desafia os homens de coragem ou desnorteia os viajantes que não sabem rezar.
Sobre este caminho de crenças, lendas e mitos estenderam outro, para satisfazer aos caprichos da velocidade a que chegamos, nestes tempos de indiferença, de insensatez e de agressões aos valores fundamentais da  própria vida.
Muitas coisas fizeram, que contribuíram para a descaracterização dos nossos costumes, da nossa cultura, da nossa identidade.
Só não conseguiram até agora foi destruir os caminho da nossa memória, que deve resistir, sempre que a nossa terra se sentir ameaçada pelos fariseus da história.
O outro caminho era o rio Mearim, com suas águas profundas. Temeroso, tanto pela fúria incontida das suas marés de pororoca, como pela sua ânsia de atingir o mar e, ao mar azul atingindo, desfazer-se em um infinito de  ondas e mistérios.
Por este rio, um homem simples e humilde, com seu trombone de pistão bem protegido e bem cuidado, muito navegou. Era o nosso pai, Lourival José Coêlho.
Ele sempre vinha, a convite dos maestros Sabino Ericeira e José Martins, para compor a banda de música que anualmente acompanhava a procissão de Bom Jesus pelas ruas desta cidade e executava as partituras dos dobrados e das marchas mais empolgantes da época.
Logo após,  no salão de "Mané Abas", lá estava ele, solfejando com seu trombone, em dueto mágico com o sax encantado de José Martins, nas festas dançantes que alongavam as novenas e varavam as noites e que só findavam com o nascimento do novo dia que surgia embalado pela harmonia das notas, pela indicação correta do compasso, e do ritmo, que aceleravam os corações e a todos envolviam num clima bom de regozijo. Festas dançantes, das quais ele ganhava o pão para sustentar, durante alguns dias, a família pobre e já bastante numerosa.
Quantas vezes aquele jovem senhor - que se fizera serralheiro, por imposição da mãe, e músico, por  genuína vocação - teve que enfrentar este caminho de águas para cumprir o seu ofício nesta terra  de Nossa Senhora da Graça. Muitas, muitas vezes!
Foi por este caminho que, certo dia, José Soares deixou o Japão da sua infância para criar raízes em Arari, a terra dos seus amores, das suas paixões e das suas reminiscências, para descobrir, mais tarde, e em tempo, que, além da sua habilidade como alfaiate, sabia - com a simplicidade que lhe era peculiar - coser o tecido da palavra poética e da prosa que enlevam e eternizam o sentimento humano pela força da emoção e da sensibilidade.
Caminho de correntezas e remansos! Por este rio, certo cidadão arariense, chamado Nemésio Leão Leite, marinheiro do vapor Brasil, chegou a Vitória do Mearim e ali  descobriu que aquela mulher de nome Felicidade deveria ser a sua eterna companheira. Por oportuno, devemos dizer que esse cidadão arariense, já falecido, e essa mulher de nome tão belo e singular, nascida em Vitória do Mearim, são os pais de Iolanda Lélia Leite Coêlho, que é mãe de Amparo; de Almir; de Arimatea; de Dourival; de Raniere; de Gardênia; de Cirineu e Kênia, todos vitorienses, ligados a esta terra boa por laços de sangue, que, com exceção da morte, coisa alguma nesta vida pode desatar. 
Por este mesmo caminho, os pais da minha avó Cotinha deixaram Arari, carregando consigo a tristeza no coração pelo desenlace matrimonial da filha, quase menina ainda.  Na tresidela de minha cidade fixaram residência, instalaram um velho engenho para a produção de cachaça e açúcar mascavo.
Foi o cheiro adocicado do melaço que provavelmente curou  a minha avó das feridas que lhe restaram em conseqüência do seu amor malsucedido.
A história deste rio é muito vasta e bela, e triste, às vezes. Ouçam. Estamos ouvindo o marulhar de águas e o deslizar suave de canoas sobre seu leito. Nelas, homens estranhos na cor, na língua que falam, na roupa que vestem, nos gestos que fazem, nas armas que usam, se aproximam, cansados da longa e exaustiva viagem. O que desejam esses estranhos em terras tão estranhas?
Vejamos: outra canoa se aproxima veloz! Agora é Manoel Beckman, que, após tramar e insurgir-se contra os abusos cometidos pela Companhia do Comércio, e perseguido pelas autoridades provinciais, foge em busca de sua fazenda Vera Cruz, enfrentando o medo do bote traiçoeiro da sucuruju,  que tanto cresce e engrossa que às vezes é confundida com um tronco de palmeira. Enfrentando também, nestas paragens inóspitas, de feras terríveis e índios selvagens, as belíssimas sereias que seduzem e arrastam os incautos para as profundezas das águas.
  Mas, e essa voz enternecida? Deve ser a de Trajano Galvão de Carvalho lamentando a triste e desumana condição dos negros africanos, escravos da mesma ambição miserável que prostituiu e dizimou os nossos gentios, destruiu nossas matas, roubou o ouro das nossas montanhas, as esmeraldas dos nossos rios e nos legou uma dívida que até hoje pagamos com o suor dos nossos rostos, com o sangue das nossas vidas. 
Como vimos, este rio, que nos lembra o fluir do tempo, nos lembra também que temos uma vida em comum. Vida de  vastas amizades e fartas alegrias, de muitos  sonhos e expectativas; também, de incertezas, de temores, de angústias, misérias e insatisfações, - são as multifacetadas manifestações da própria vida, que, se às vezes doem pela crueza de sua  realidade, quase sempre constituem o verdadeiro tempero que nos seduz e nos fortalece por estes caminhos tão difíceis da nossa vertiginosa existência.
Este rio, que por muitos e muitos anos foi o principal elo de ligação entre as duas cidades, Vitória do Mearim e Arari, é um elo de ligação do passado com o presente, sempre nos lembrando que temos a mesma história e que sempre estivemos unidos, tanto pelos laços das mais simples amizades, quanto pelos laços das paixões que as tramas do amor vão urdindo, à revelia dos preconceitos, das distâncias e das diferenças.
Na verdade, este rio não é apenas um curso de água comum, com definição limitada pelo conceito geográfico, como bem poderíamos acreditar.
O outro caminho também não é um caminho comum.
O rio e o caminho de chão são algo mais amplo. Tão amplo, quanto os campos da nossa fértil imaginação. Na verdade, eles são a própria HISTÓRIA, que como num passe de mágica, e com toda sua grandeza e esplendor, vem inundando as grandes planícies dos tempos, para que, nelas,  todos possamos viajar e aprender as grandes e verdadeiras lições que o passado nos legou.
Por estes caminhos chegamos aqui, cúmplices dos mesmos anseios e das mesmas necessidades, despidos de qualquer vaidade pessoal, para darmos  início à construção de um novo tempo, ou templo, onde se possa cultuar todos os valores que deverão sustentar a nossa história no futuro.
Acreditamos sinceramente que a única vaidade que nos move nesta empreitada é o fato de podermos contribuir. E contribuir com importantes  ramos do conhecimento, defendendo-os das constantes agressões que vêm sofrendo, graças à louca ambição humana que a tudo transforma e que tenta  nulificar agora o que temos de mais nobre e essencial em nossas almas, que é a nossa capacidade de sonhar com serenidade e criar com segurança.
Lembrando Otaviano Hudson, afirmamos que não queremos passar pela vida em brancas nuvens e em plácido repouso adormecer, quando o mundo inteiro parece estar à mercê do banal e da vulgaridade.
É por este motivo que falamos em defesa. Defesa de princípios que fortaleçam o ser humano, social, política, religiosa e culturalmente; que justifiquem a nossa passagem por este rio que é tempo, história e vida, no qual não podemos navegar tranqüilamente sem a dignidade que esses princípios nos propiciam.
É hora de defendermos a palavra, por exemplo, dos assaltos constantes a que esse instrumento tão importante da comunicação humana vem sendo submetido atualmente.
Não raramente nos decepcionamos, sobretudo quando, na ânsia do conhecer e do entretenimento, buscamos nas livrarias algo que nos abrande a fome. Aquela obra tão elogiada não passa de um embuste, uma farsa, urdida criminosamente com a intenção de nos saquear os bolsos. Enquanto isso, aquelas obras nascidas da soberba do verdadeiro gênio da criação literária vão caindo no esquecimento, para deleite da mediocridade.
Acreditem os senhores, que diante de grande parcela dos shows musicais televisivos, geralmente surpreendemo-nos com os olhos fitos em algum ponto perdido no fundo da tela,  e nada vemos, e nada ouvimos. De repente, é como se estivéssemos viajando espontaneamente em busca de um outro mundo, talvez de um passado inesquecível, quando o sucesso da música, por exemplo, era determinado pelo talento de seus compositores e ouvir suas notas e a voz dos seus intérpretes não nos causava tédio, não enchia de fastio a nossa alma. Desculpem o nosso sincero atrevimento!
Não adianta colocarem algumas seminuas no palco para requebrarem os quadris, na dança do tchan, numa bizarra atuação que lembra mais a fúria devassa de Messalina na cama, do que a leveza dos movimentos e a graça das belas Divas que se fizeram imortais da dança e, conseqüentemente, transformaram a dança num verdadeiro e eterno espetáculo. Sabemos que tudo agora não passa de mera provocação, encenada com pobreza de espírito apenas para inflamar os demônios da luxúria, nada mais.
Estas são algumas das famosas "inversões de valores", das quais tanto falamos e contra as quais pouco ou quase nada fizemos.
Sabemos que o cintilante ouro, por quem o homem anseia e tem ardentes febres, bem como o alucinante poder, por quem o homem é capaz de morrer e matar, são os verdadeiros portais das efemeridades, pelos quais os demônios se anunciam, para fazer do homem um eterno escravo do seu próprio vazio. Ah, triste e lamentável condição humana, que, manipulada com habilidade, sustenta os falsos valores, não apenas da música ou da dança: falsos valores da literatura, das artes,  das ciências, das religiões... Enfim, falsos valores da política, moldados com os elementos da  vulgaridade e do sub-reptício, que, para se manterem, geralmente iludem, subornam, mentem, roubam e destroem esperanças, criando em torno de si mesmos uma soturna auréola de fulgurante luzir.
Estes são os verdadeiros inversores das ordens e dos valores morais, sociais, políticos e culturais, contra os quais deveremos apontar as nossas armas para que tenham sempre uma vida desapercebida.
São por causa destes e de tantos outros motivos que estamos aqui, sobretudo em atendimento à voz da nossa consciência cidadã, que nos impõe a grande responsabilidade de contribuir com o presente, na defesa da história de nossa gente, para que no futuro, por nossa omissão, a cultura dos nossos não esteja ameaçada por uma grande corja de corruptores e criadores de banalidades descartáveis.
A Academia Arariense-Vitoriense de Letras, que deve funcionar como o mais novo caminho de aproximação entre estes dois povos que se gostam, deve ser também, acreditamos, o instrumento principal de viabilização deste nosso entendimento.
Muito obrigado!


2. Discurso proferido pelo acadêmico José Fernandes, em Arari

Senhor presidente desta solenidade, acadêmico Agnor Lincoln da Costa; Prefeito Rui Fernandes Ribeiro Filho, de Arari; Dr. Jomar Morais, escritor, Presidente da Academia Maranhese de Letras; Des. Milson Coutinho, historiador, membro da Academia Maranhense de Letras; Professor Mauro Rego, escritor, Presidente da Academia Anajatubense de Letras; Deputada Maura Jorge; demais autoridades; secretários municipais de Vitória do Mearim e de Arari, representantes religiosos, professores da rede pública e particular dos dois municípios, animadores culturais, poetas e artistas populares, líderes comunitários, estudantes e destacados cidadãos das duas comunidades,

Este ato solene tem a nobre finalidade de dar vida a um projeto cultural destinado a aglutinar aqueles que se interessam pela cultura na sua mais ampla conotação, projeto que deverá ser desenvolvido por pessoas de Arari e de Vitória do Mearim, através de uma entidade a que denominamos Academia Arariense-Vitoriense de Letras, que está surgindo neste momento feliz.
Entrelaçados por raízes étnicas e histórias, Vitória do Mearim e Arari, municípios limítrofes, com idênticas configurações físicas e humanas, similares até nas carências, que, além de cultivarem os seus campos, também cultivam idéias e esperanças, agora se unem numa só instituição, que terá o propósito de valorizar a cultura local, incentivar e difundir as suas manifestações artísticas, a pesquisa e a história comum; estimular novos talentos e promover o intercâmbio com outros centros assemelhados, podendo até vir a despertar o grupo  social de que faz parte para a análise crítica de suas perplexidades, e ainda – quem sabe? – eleger-se cidadela de uma saudável reação contra o paulatino aniquilamento das nossas tradições, dos nossos valores trazidos de berço, uma resistência inteligente a quem tente nos submeter a uma iconoclasta inversão de valores, outrora tão bem preservados.
Nós, os fundadores desta Academia, enobrecidos com o apoio e a presença dos integrantes e representantes das duas comunidades, com o aprazimento benevolente de pessoas da mais alta expressão pública e do saber maranhense, e sob a proteção de Deus, aqui estamos consumando os atos inaugurais que lhe darão existência real e sustentação jurídica. E, lado a lado com essa gente da melhor estirpe, a emergente organização, através de seus arautos, passará a constituir-se no epicentro do pensamento evolutivo das duas cidades, sentirá sua pulsação, as inquietações e seus anseios maiores, para externá-los com arte e sabedoria.
Digna assembléia, os objetivos a serem alcançados por esta entidade não consistem em planos mirabolantes, visionários e inalcançáveis, e sim em promover gestões exeqüíveis no âmbito da cultura, área que nos é familiar. Os idealizadores deste projeto conhecem suas limitações, mas também conhecem as suas potencialidades. São pessoas experientes que já transpuseram obstáculos, participaram de missões de sacrifício, conhecem as dificuldades. Alguns até já ergueram e continuam “erguendo templos à virtude e masmorras aos vícios”. Não se surpreenderão com os óbices, não se submeterão às intempéries, nem esmorecerão com eventual falta de apoio, incompreensão, indiferença, ironia ou opróbrio; sabem que não estarão semeando em terreno árido e têm a certeza de que esta iniciativa é, em escala maior, a continuação de outras que já foram empreendidas, com relativo êxito, nestas plagas.
Ademais, tanto Arari quanto Vitória do Mearim sempre tiveram filhos que se destacaram no campo do conhecimento humano, das ciências e das artes, sobretudo das artes. E “fazer arte – dizia Fernando Pessoa – é querer fazer o mundo mais belo, porque a obra de arte, uma vez feita, constitue beleza objetiva, beleza acrescentada à que há no mundo”. Em Arari, por exemplo, nasceram, ergueram as suas  tendas ou iniciaram o seu palmilhar no mundo pessoas da estirpe intelectual e moral de José Silvestre Fernandes, polígrafo, autor de um pioneiro projeto educacional; do Monsenhor Clodomir Brand e Silva, escritor, pesquisador e gestor de um excelente trabalho de civilização; de Zuleide Bogea, notável educadora, e tanto outros exemplos engrandecedores, hoje com memória resgatada. E de Vitória do Mearim, município co-irmão, surgiram personalidades como a do magistral poeta Trajano Galvão, precursor, em nosso pais, da poesia libertária, anterior a Castro Alves e tão brilhante quanto este; como o senador Lopes Gonçalves, político eminente, destacado tribuno e jornalista; como o Mons. Eliud Arouche, sacerdote e orador de considerável cultura, e muitos outros grandes vitorienses que, como os de Arari, estarão hoje sendo homenageados, na condição de Patronos das Cadeiras que dentro em pouco serão ocupadas.
Senhoras e Senhores, registre-se, de logo, para que fique nos anais da Casa: nós, de Arari, fomos convocados para esta realização pelos companheiros de Vitória do Mearim. O historiador Washington Luiz Cantanhêde promoveu as primeiras articulações, iniciativa a que aderiram com presteza e boa vontade os ararienses João Francisco Batalha, José de Ribamar Fernandes, Luís Henrique Everton, Antônio Rafael Silva, Éden do Carmo Soares, José Ribamar Carneiro Sobrinho, Francisco Ribeiro Júnior, Jorge Luís Fernandes Campos, José Ribamar Muniz Pinto, Leão Santos Neto e Raimundo César Abas Prazeres, por isso mesmo primeiros ocupantes da Seção Arariense. Emolduram o quadro da Seção Vitoriense os ilustrados confrades Washington Luiz Maciel Cantanhêde, Airton Marinho Macedo, José de Arimatea Leite Coelho, Almir Coelho Sobrinho, José Ribamar Santos Vaz, Agnor Lincoln da Costa, Maria do Amparo Coelho dos Santos, Antônio Moisés da Silva Neto, Sérgio Ielmetti e Dinacy Correa.
É evidente, digníssimas senhoras e senhores, que, em se tratando de um organismo  de recente concepção, seu quadro de sócios não está completo; nele, por enquanto, figuram apenas estes sócios fundadores, que tiveram a oportunidade de aderir ao propósito de sua criação, que se reuniram várias vezes, discutiram idéias e decidiram criá-lo. Várias cadeiras, portanto, estão vazias, esperando que outros e outras, de igual ou maior merecimento que nós, venham propor-se a integrá-lo. Este sodalício quer enaltecer o mérito da inteligência, dom que é de gente de todas as raças, quaisquer graus de instrução, crença, idades e condições sociais; repele todas as discriminações; pertence a todos os que o prestigiarem e deve ser utilizado, ajudado, enaltecido e construtivamente criticado, se for o caso.
Seleta e paciente assembléia, estava a dizer-lhe, para fundamentar esta nossa ousada pretensão acadêmica, que a inclinação às artes, notadamente às letras, por estas bandas, vem de longo tempo, certamente por influência dos nossos maiores do passado, o que justifica a existência contínua de centros de cultura entre nós. Apenas para exemplificar, nos primeiros anos do século passado o Arari já possuía um jornal, redigido à mão, por Thiago e Silvestre Fernandes; logo depois, veio o periódico “A Ordem”, cuja impressora fora jogada no rio, vítima da sanha vandálica de facções políticas que já naquele tempo se digladiavam; dispúnhamos de escola de música e de três bandas, regidas pelos maestros Sinfrônio, Raimundo Martins e Francisco Cardoso. Naquele tempo, já possuíamos grupos de teatro, dirigidos por D. Dedé e Maria Luiza  Novais, animadoras culturais de então. Lembrando esse passado, por que não falar das pastorais, caprichosamente organizadas por Belinha Pacheco e Almir Leão? Dos famosos bailes de São Gonçalo, das Cheganças, das Festas do Divino, das brincadeiras do Carneiro, com orquestra, organizadas por Sinhá Morais, precursora, talvez, do bumba-boi orquestrado?
São também formas de cultura, que merecem referências, embora breves, o artesanato praticado no Arari do passado por diligentes artífices: a fabricação de brinquedos de Raimundo Teles; as esculturas de Raimundo Chaves, também fabricante de sepos de tamanco, colher de madeira, pilão e imagens de santos; a escola de Antônio Leão; de Da. Puresa; de Hilarião e de Zeca Fernandes; as marcenarias de Pedro e Alberto Pestana; de Severo Chaves e Alziro Ribeiro, que fabricava lancha movida a pedal; as carpintarias navais de Chico Nunes, Sérgio Chaves, Leonete Costa, Crispiniano e João Teles; as funilarias de Mateus, Tomé e Mundico Chaves, que fabricavam principalmente lamparinas; a Tanoaria de Raimundo Tanoeiro; a Movelaria “Faixa Branca”, de Manoel Abas; a fábrica de perfume de Manoel Leite; as oficinas de ferreiro de João de Nel, do Perna Forte, no Peri-Mirim, que fabricou um motor à base de manivela; as oficinas de Atanásio, Abel Jardim e João Ferreiro. Lembremo-nos também da enfermaria de Jorge Oliveira; das diletas e dedicadas parteiras; das competentes doceiras que vendiam seus produtos no “sereno” das festas, à luz da lamparina.
Toda essa gama de gente laboriosa e simples, de Vitória do Mearim e de Arari, talvez até inconsciente de sua arte, merece ser aqui lembrada e reverenciada, gente que fez de sua terra um lugar alegre, saudável, laborioso e tranqüilo, nos bons tempos de cadeiras nas calçadas, à tardinha, e de crianças, à noite, brincando de ciranda ao luar.
Mas, senhoras e senhores, foi nos anos quarenta, com a chegada em Arari do Pe. Brandt, que fundou escolas convencionais e profissionalizantes, que a terra teve elevado o seu padrão de vida cultural, em razão da boa instrução aqui ministrada, da implantação de jornal semanal, de cinema, de livraria e de grupos de representação teatral, enfim, de um conjunto de realizações que muito a destacou no cenário educacional e cultural do Maranhão.
Inspirados por esse clima de avanço mental, nos anos cinqüenta, juntamente com João Lima, José Pereira, José Pestana, José Santos, Manira, Laura, Francisca Sanches, Cota, Arlete e vários outros companheiros, fundamos a União Arariense dos Estudantes, com o Teatro “Profª. Raimunda Ramos”, que se exibia, inclusive, na capital do Estado, e com o jornal “Gazeta Arariense”, que deixou de circular, e a entidade estiolou, porque fomos envolvidos pela política partidária, que nos dividiu, prejudicando aquele projeto embrionário e promissor.
Nesse mesmo período, em Vitória do Mearim, com José Ribamar Farias e Silva, Jorge Barros, Francisco Sampaio, Marlene, Lúcia, Socorrinho Sampaio, Socorrinho Matos e muitos outros jovens da época, fundamos a Associação Cultural e Recreativa de Vitória do Mearim – ACREV, que tinha o seu jornal, o “Correio do Mearim”, do qual fomos redator; realizávamos saraus literários, recitais de poesia, palestras e outros eventos, sempre prestigiados pela oratória brilhante do Pe. Eliud Arouche e de Lobato Martins.
Essas instituições, de Arari e de Vitória do Mearim, cumpriram o seu papel no devido tempo. A União Arariense dos Estudantes–UAE ressurgiu anos depois, com antigos e novos membros, transmudada para Grêmio Arariense dos Estudantes–GAE, que foi uma grande escola de vida, formadora de excelentes profissionais e líderes, executivos, políticos, poetas, escritores e jornalistas – Grêmio que, nos anos oitenta, com a maturidade de seus membros, foi transformado em Fundação Cultural, que ainda resiste, como mantenedora do Colégio Comercial de Arari.
Enfim, senhoras e senhores, para não cansá-los mais ainda, diremos, em síntese, que todos esses cometimentos, tanto os de época mais remota quanto os mais recentes, como os serviços de alto-falantes Voz de Arari, Voz do Povo, Voz dos Estudantes, a Escola de Artes Gráficas Belarmino de Matos, os jornais Boletim Paroquial, Notícias, Gazeta Arariense, Vanguarda, Cidade de Arari, Ponto de Vista, O Combate Arariense, Folha Democrática e Map Terra, todos de esporádica circulação; as escolinhas de música do maestro José Martins, que iniciou tantos músicos – escola que está sendo continuada e ampliada para outros municípios por seu filho, o maestro Carlos Martins, aqui presente, colaborando conosco; a UCA–União Cultural de Arari, também com o seu jornal, e outras tantas entidades que participaram e ainda participam da vida da cidade; os lançamentos de livros de escritores ararienses; os do Pe. Brandt e Silva, aqui mesmo impressos; deste que vos fala; de José Raimundo Soares e de Ribeiro Júnior, autores que são hoje Membros e Patronos desta instituição – essas organizações, movimentos e pessoas, de Vitória do Mearim e de Arari, contribuíram de alguma forma para que chegássemos a este estágio, e ousadamente a esta realização. Daí o motivo destas referências, cansativas, mas oportunas, e também para cumprir uma obrigação nossa, já como Academia, de resguardar registros como estes para a história de nossas cidades.
Dignos convidados, neste instante em que participamos do surgimento desta novel instituição, juntos estamos vivendo momentos de comunhão íntima e fraterna. É como se sentíssemos também os eflúvios da presença, cristalizada na saudade, de tantos entes queridos que conviveram conosco e que, não faz muito tempo, partiram para outros páramos, como alguns de nossos pais, como Caiçara, Manoel Abas, David, José Martins, José Soares, Pe. Brandt, Pe. Cutrim, e tantos outros de passamento mais remoto, que talvez estejam nos velando na eternidade.
Congratulemo-nos entre nós, todos, neste momento de fé nos valores maiores que cultuamos e pretendemos fazê-los permanentes.
Neste final, permitam-me um apelo.
Cortando os territórios das duas cidades que aqui se juntam, o Criador, o Espírito Infinito do Bem, colocou um veio formidável, perene, eterno, como se dissesse: “Filhos e filhas, este elemento natural que vai nutri-los e saciá-los é parte de mim, cuidem bem dele”. Porém, como fizeram com o próprio Cristo, nós estamos maltratando esse formidável ser natural, que nos faz tanto bem e de sobra ainda embeleza e torna mais bucólica a nossa telúrica paisagem. Esperamos que agora, que as duas cidades se entrelaçam, unam-se também para preservar dos malefícios essa dádiva dos céus.
Esse ser prodigioso, que amplia a nossa fraternidade, essa artéria do Onipotente, senhores e senhoras, é o rio Mearim, que agora, aqui, pode ser oniricamente idealizado como se fosse testemunha e símbolo da presença de Deus intercedendo por todos nós, e trazendo-nos na sua aragem alvíssaras prenunciadoras do êxito deste empreendimento.


3. Discurso proferido pelo acadêmico Carneiro Sobrinho, em Vitória do Mearim


Exmos. Srs. Presidentes de Academias de Letras aqui presentes,
Senhor Presidente da Academia Arariense-Vitoriense de Letras,
Autoridades,
Representante do Clero,
Estimados confrades da Academia Arariense-Vitoriense de Letras,
Senhoras e Senhores,

Quis DEUS, mais uma vez, que eu vivenciasse este momento ímpar, incomum, marcado pela alegria, grande emoção e rara felicidade.
Quiseram os meus ilustres pares que recaísse sobre os meus ombros esta ingente mas honrosa missão de saudar as pessoas que nesta noite memorável testemunham esta cerimônia de posse dos eleitos que irão dirigir a recém-instalada Academia Arariense-Vitoriense de Letras durante o biênio 2000/2002, neste Centro Social da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, na Praça da Criança, nesta vetusta e acolhedora cidade de Vitória do Mearim.
Honrosa e nobilitante missão, repito, para este modesto arariense, oriundo de humilde família da vizinha cidade, embora já calejado de reuniões, assembléias e solenidades muito parecidas com esta – aqui e alhures –, porém com conotações distintas, bem diferentes, tendo como ouvintes, em sua grande maioria, trabalhadores, pois quis o destino que durante quase toda a minha vida, a sua marca mais visível fosse a militância no movimento sindical operário.
A Coluna Sindical de que, modéstia à parte, fui pioneiro na imprensa maranhense, nos velhos e duros tempos do regime de exceção – de tenebrosa memória –, cuja trajetória foi encerrada no jornal “O Estado do Maranhão”, com o prematuro desaparecimento do inolvidável poeta Bandeira Tribuzi, este de saudosa memória, tinha destino certo: a sofrida classe trabalhadora e os seu magnos e históricos problemas.
Nesta noite, já demonstro, e de forma bastante clara, que fica difícil, muito difícil, segurar a emoção. 
Inicialmente, sinto-me na obrigação de registrar, para os que aqui vieram e para os pósteros, que a Academia Arariense-Vitoriense de Letras, solenemente fundada neste 29 de janeiro de 2000, foi fruto do idealismo do jovem e talentoso Washington Cantanhêde, do poeta José de Arimatea Leite Coelho, do pesquisador João Francisco Batalha e do artista plástico Aírton Marinho Macedo, que em 30 de outubro de 1999, e depois de vários outros encontros, diversas reuniões e muitos debates, decidiram pela criação deste sodalício.
A partir deles, posteriormente, outros ararienses e vitorienses, com a mesma visão e idênticos ideais, incorporaram-se à tarefa de institucionalizá-la, valendo destacar, nesse mister, o incansável trabalho do poeta e escritor José de Ribamar Fernandes e do festejado tribuno Almir Coelho Sobrinho.
Valendo-me de dados levantados pelo abnegado pesquisador João Batalha, desejo recordar aos convidados que nos honram com suas presenças nesta noite que a Freguesia do Mearim, hoje Vitória do Mearim, porém com outras denominações antes do seu nome atual, teve seus primórdios no Sítio Velho, atualmente território do município de Arari, isto entre os anos de 1723 a 1750. Sua emancipação, entretanto, só ocorreria em 19 de abril de 1833, já neste local em que hoje está edificada esta hospitaleira cidade.
Vinte e um anos após sua constituição já como município, ocorreria a primeira cissiparidade, com a elevação de Santa Maria de Anajatuba à categoria de vila e freguesia. Dez anos depois, seria a vez de Arari se emancipar de Vitória do Mearim, através da Lei Provincial nº 690, de 27 de junho de 1864.
Continuou, contudo, o nosso município subordinado a Vitória, na condição de Termo Judicial da Comarca do Baixo Mearim, isto até o ano de 1962, quando foi instalada a Comarca de Arari, com o Termo Judicial de Pio XII.
A autonomia de Anajatuba, abençoada terra dos meus avós e da minha mãe, e, também, de Arari, e, posteriormente, de Pindaré-Mirim, em 1923; Cajari, em 1949; Vitorino Freire e Lago da Pedra, em 1952, abriu caminho para mais 23 municípios se emanciparem, culminando com a adesão de Bela Vista, Igarapé do Meio e Conceição do Lago Açu, em 1995, que também se emanciparam daquela que no passado fora denominada de Capital da Ribeira do Mearim.
Carnelutti, o consagrado jurista italiano, citado numa das portentosas obras de Washington Cantanhêde, diz que “o segredo do futuro está no passado”. Dentro dessa premissa, permitam-me as senhoras e os senhores que têm a paciência de me ouvir nesta noite luminosa que vos fale rapidamente de um dos muitos luminares desta terra, Trajano Galvão de Carvalho, nascido em 19 de janeiro de 1830, nas cercanias do Arraial da Vitória, que fez os primeiros estudos em Lisboa, cursou Direito no Recife, voltou a esta terra e dedicou-se à prática da medicina homeopática. Trajano Galvão foi precursor do movimento literário contra a escravidão no Brasil, faleceu jovem, com 34 anos de idade, em 14 de julho de 1864, em algum lugar do Mearim. São de sua autoria os versos “Nasci livre, fizeram-me escravo. / Fui escravo, mas livre me fiz”.
Desejo falar-lhes, também, a respeito de José Silvestre Fernandes, arariense ilustre, nascido no dia 1º de agosto de 1889, em um casarão da enseada da Rabela, em Arari. Fez o primário na terra natal e cursou o Normal em São Luís. Destacou-se como professor do Externato Cururupuense, do qual foi diretor. Lecionou português e história em vários colégios da capital maranhense e notabilizou-se como professor de geografia do notável Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. Escritor e jornalista, tornou-se imortal da Academia Maranhense de Letras e titular do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Faleceu aos 81 anos de idade, na cidade do Rio de Janeiro.
Ainda sob a ótica de Carnelutti, de que “o segredo do futuro está no passado”, gostaria de lhes falar de duas proeminentes figuras que se destacaram, de forma insofismável, como os verdadeiros propulsores da educação em nossa região, o Cônego Eliud Nunes Arouche e o Monsenhor Clodomir Brandt e Silva.
Cônego Eliud Nunes Arouche, nascido em São Vicente Férrer, em 1898, assumiu a Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Vitória do Mearim no ano de 1923, quando tinha apenas 25 anos de idade. Foi pároco do Município no espaço de 46 anos, até 1969. Sua maior obra educacional patenteou-se com o Instituto Nossa Senhora de Nazaré, educandário que fundou e dirigiu, e onde lecionou por longos e profícuos anos. Sagaz, ligado à ala governista do Estado, desenvolveu intensa atividade política, fazendo do Serviço de Alto-Falante “Voz da Vitória” sua principal tribuna, através da qual exercitava com maestria o talento de sua brilhante oratória.
Já o Monsenhor Clodomir Brandt e Silva nasceu no Município de Colinas, em 22 de novembro de 1917, assumindo a Paróquia de Nossa Senhora da Graça em 1944, aos 27 anos de idade. Foi vigário de Arari durante 53 anos, até 1997. O Padre Brandt, como era mais conhecido, legou para a nossa comunidade uma obra educacional imorredoura, iniciada com os institutos Nossa Senhora da Graça e Bom Jesus dos Aflitos, posteriormente desmembrados em Colégio Arariense e Escola Normal de Arari, além de outras atividades culturais desenvolvidas no Município. Foi comandante político durante cerca de 25 anos, militando quase sempre na Oposição. Uma de suas trincheiras de luta era o serviço de alto-falante, através do qual chamava seus liderados com a execução do hino “Avante, Camarada”, quando dava mostras de sua elevada capacidade como orador fluente e político altivo, através da Voz de Arari.
Numa visão moderna, de que os seus membros hajam revelado inegável mérito, quer artístico, quer científico ou literário, e tendo por finalidade precípua a valorização e a defesa da cultura de Arari e Vitória do Mearim, o estímulo à produção e à difusão das manifestações culturais de cunho individual dos moradores do Baixo Mearim, além do intercâmbio de idéias com outros centros de atividade cultural, congêneres ou não, a Academia Arariense-Vitoriense de Letras parece-me aberta à sociedade local, bem próxima do seu grande povo.
Antevejo-a vitoriosa em sua trajetória, iniciada oficialmente neste 29 de janeiro do ano 2000.
No plano terreno, material, não tenho dúvidas, haverá de se solidificar e alçar altos vôos, sob a égide do esforço telúrico dos que a conceberam e daqueles que vieram depois para instituí-la.
No plano espiritual, entendo que haveremos de contar sempre com os Patronos da Academia, pelo imensurável legado que nos deixaram, pela eterna saudade aberta com suas ausências, pelos belos exemplos de suas edificantes vidas, pelo ecletismo que norteou as atividades multifacetadas de uns e de outros, para que, pelos largos caminhos da Ciência, das Artes, da Literatura, da Cultura, jamais se perca de vista o ser humano, em toda a sua inteireza material e espiritual, jamais se deixe de lutar pela busca incessante do bem comum.
A Academia Arariense-Vitoriense de Letras, na visão altruística dos seus idealizadores e fundadores, a meu juízo, nasceu para somar, para edificar, para brilhar, para pensar – e pensar grande! –, para unir, ainda mais, os laços fraternos das comunidades de Arari e de Vitória do Mearim.
Arari nasceu aqui. A semelhança entre os dois povos é imensa. Fico a pensar: quantos valores, quantos talentos, quantos luminares haverão de surgir e ser reconhecidos no Baixo Mearim e além-fronteiras a partir de hoje, desta grande noite?...
Dignas Autoridades, estimados Colegas, meus Senhores e minhas Senhoras, agradeço, sensibilizado, pela afetuosa acolhida e atenção que me dispensaram nesta noite inesquecível. Sinto-me plenamente recompensado e devo finalizar proclamando, como sempre o fiz em toda a minha modesta vida, o meu acendrado amor à Terra Natal. Mas, neste momento fulgurante, além de sentir-me orgulhoso de ser arariense de nascimento, também sinto orgulho por me considerar vitoriense de alma e de coração.
Muito Obrigado!


4. Discurso proferido pelo acadêmico Almir Coelho, em Vitória do Mearim


Senhor Presidente da Academia Arariense-Vitoriense de Letras, Dr. Washington Cantanhêde; Senhores Acadêmicos; Senhor Presidente da Academia Maranhense de Letras, Dr. Jomar Moraes; Senhor Desembargador e Membro da Academia Maranhense de Letras, Dr. Mílson Coutinho; Senhor Presidente da Academia Anajatubense de Letras, Professor Mauro Rego; Senhor escritor Antonio de Pádua dos Santos, da Academia Parnaibana de Letras; Demais autoridades presentes, Senhoras e Senhores,

Acostumado, ao longo da vida, aos palanques político-eleitorais e à tribuna do júri popular, deparo-me, agora, com a incumbência de fazer um pronunciamento, em nome da Seção Vitoriense desta Academia recém-fundada, na qualidade de um de seus membros, para, de alguma forma, marcar este evento.
Confesso que hesitei quanto à melhor forma de desincumbir-me da missão confiada pelos meus pares. Ao final de demorada reflexão, decidi-me por uma abordagem multifária, que atenda aos desejos de saudar os confrades ararienses, de manifestar um pouco de saudade e de prever o ingresso de novos acadêmicos, pela Seção Vitoriense.
Discorrendo, já, sobre os pontos que acabei de mencionar, devo dizer que me sinto muito à vontade na companhia dos acadêmicos da Seção Arariense. Esse sentimento provém da certeza de que, privando do convívio de tão privilegiadas inteligências, estou mais perto da matriz sócio-cultural que engendrou a visão liberal de que era detentor meu ancestral Pedro Nunes Cutrim, natural do povoado Sítio, do Município de Arari, por quem nutro grande veneração.
Major Cutrim, homem de luzes, depois de exercer os principais cargos executivos, legislativos e da esfera judiciária na Vila do Mearim, no final do século XIX – e isto depois de ocupar importantes cargos em Arari – , foi, por duas vezes, deputado estadual representando o Baixo Mearim. Sobre ele chegou aos nossos dias a imagem idealizada de um político sagaz, invencível nos embates travados no âmbito municipal, tanto que morreu no exercício do mandato parlamentar.
Laços familiares me tornam muito próximo de Arari. Além da família Cutrim, pertenço a um ramo da família Coelho e a um ramo da família Leite oriundos daquele tradicional município. A minha avó paterna, Maria dos Anjos Coelho, era natural de Arari, tia, dentre outros, de Socorro Santos, casada com Tonico Santos. O meu avô Nemésio Leão Leite, pai de minha mãe Iolanda Lélia Leite Coelho, era também natural de Arari.
Tudo isto me deixa extremamente à vontade para dizer aos confrades ararienses que é com imensurável satisfação que nós, vitorienses, os recebemos na nossa cidade, para a sagração da entidade cultural que, juntos, resolvemos criar.
Não somente porque é uma determinação estatutária, mas porque já indelevelmente registrada na memória coletiva, esta data – 29 de janeiro do ano 2000 – será considerada um marco na história dos nossos dois municípios. Com efeito, realiza-se hoje uma solenidade que se afigura um divisor de águas no relacionamento das comunidades vizinhas e irmãs de Vitória do Mearim e Arari.
Secularmente cultivando uma rivalidade infantil, que só trouxe ressentimentos aos nossos ancestrais, hoje os moradores das duas cidades vêem o ocaso de uma mentalidade arcaica que perdurava, em detrimento de uma almejada política de boa vizinhança. A decisão de fundar conjuntamente esta Academia, a intensificação do convívio dos membros das duas seções, que precedeu o referido ato, nas reuniões preparatórias realizadas, tudo contribuiu para gerar clima propício a uma caminhada, sob o signo do companheirismo e da cordialidade, também em outros setores da vida social das duas cidades, doravante.
Nesse sentido, estaremos, nós da Academia Arariense-Vitoriense de Letras, vigilantes: que nenhum tremor abale o edifício da parceria que começamos a levantar, com vistas a um futuro grandioso para todos, no plano cultural.
Falar de cultura em Vitória e Arari exige que se fale dos homens e mulheres das duas cidades que, nos seus ofícios ou por diletantismo, deram significativa contribuição para ocuparmos o lugar que hoje ocupamos e para termos a consciência aguçada na defesa dos nossos valores mais caros.
Neste parte da minha fala, permitam-me, senhoras e senhores, fazer o exercício da saudade a que me referi no início.
Refiro-me à evocação da figura do meu pai, Lourival José Coelho, prefeito municipal de Vitória falecido em 1986. Vendo hoje meu amigo de infância e de lutas várias Aírton Marinho ocupando o lugar que lhe é devido na Academia Arariense-Vitoriense de Letras, pelos seus méritos de artista plástico, não posso conter a emoção. É que, quando Aírton se iniciava no mundo das artes, o prefeito Lourival Coelho, num ato inédito para nós vitorienses, até então, não se furtou a emprestar apoio oficial para a exposição da segunda série de gravuras do referido artista, intitulada  Ao Trabalho. Mas não foi somente isso o que ele fez. O que ocorreu foi comentado com maestria por Ubiratan Teixeira em sua coluna no jornal O Estado do Maranhão do dia 31 de março de 1985. Ouçamos o que escreveu aquele ilustre cronista:
“Um detalhe dos mais significativos ocorreu no “vernissage” de Aírton Marinho, quando ele abriu para o público sua exposição de xilogravuras, “Ao Trabalho”, na Galeria Eney Santana: o convite foi feito pela Prefeitura de Vitória do Mearim, terra do artista, e não só. No ato de inauguração, lá estavam o Prefeito e todo o secretariado, inclusive o Juiz de Direito e o Promotor.
Não é normal que isso ocorra não apenas só aqui no Maranhão, mas no país inteiro, e ninguém pense que este comportamento tenha alguma coisa que ver com o que se propõe fazer no país: uma democracia cultural.
Não é de hoje que artistas e escritores cobram de autoridades e políticos, industriais, homens de dinheiro ou de simples aventureiros e vaidosos, a côngrua devida ao exercício desta forma marginal de dignificar a vida do homem e da comunidade. Não é de hoje que os agentes da inteligência e da sensibilidade cobram os dízimos devidos, de quem tem e possui. Mas sempre foi raro o espetáculo que vimos na sexta passada, quando assistimos a um verdadeiro ritual de atenção, de gozo sadio, de cumplicidade, do Prefeito e de todos os de Vitória do Mearim que estavam ali na Galeria Eney Santana, não de modo formal, cerimonioso ou pedinchão (que político só aparece nessas reuniões para se empavonar e se promover), mas de forma participante e assumida, como quem desejava também receber as atenções e a reverência dos que ali foram, pela razão muito humana de também serem da terra do artista.
Pena que outras autoridades não tenham ido à Galeria Eney Santana, para perceberem esta lição de amor e humana civilidade dada pelo Prefeito de Vitória e seu povo”.  
Fiz este registro, senhores acadêmicos, não para me comprazer ou retirar dividendos políticos de um fato já coberto pelo esquecimento. Fiz este registro para mostrar que o comportamento de Lourival Coelho em 1985 é tudo o que nossa Academia deve esperar e exigir das autoridades dos nossos municípios, como respeito às suas atividades. Oxalá recebamos o devido apoio nas nossas manifestações!
Afinal, até pela magnitude das biografias dos nossos patronos, não podemos ser ignorados como instituição séria e que surgiu para impor um rumo a essa nau em franca deriva, a cultura regional.
Não só as ilustres pessoas cujas biografias foram lidas no início dos nossos trabalhos merecem figurar como patronos deste sodalício. Há que se atentar, quando da elaboração do Regimento Interno, para a necessidade da inclusão, no rol dos patronos, por Vitória do Mearim, dos nomes de pessoas como
ANTONIO MACHADO, catequista jesuíta português que atuou de 1751 a 1757 na catequese dos índios Gamela da ribeira do Mearim, atraindo os silvícolas para o arraial que fundou, depois transformado em Lugar de Lapela, e escreveu o mais antigo relato escrito conhecido, em estilo literário e com riqueza de detalhes, sobre a realidade selvagem dos habitantes e das terras da  ribeira do Mearim no século XVIII;
ARTHUR MACÁRIO LOPES GONÇALVES, sacerdote, educador e tribuno vitoriense, grande benfeitor de sua terra;
ARTHUR NAPOLEÃO COELHO DE SOUSA, magistrado e educador em Vitória, de 1895 a 1909, casando-se com uma filha da terra, Raymunda Fernandes Bogea, irmã das professoras Ana Leonor Bogea Gonçalves e Zuleide Violeta Fernandes Bogea;
CÉSAR DO EGITO LOPES GONÇALVES, jornalista vitoriense, cujos escritos ilustram páginas de vários jornais da capital, evidenciando o talento de que era dotado;
JESUS NORBERTO GOMES, farmacêutico e prático de Química vitoriense, inventor da fórmula da Cola Guaraná Jesus, batizada de “sonho cor-de-rosa” e hoje patrimônio cultural do Maranhão, assim como de outros produtos, comercializados no Norte, Nordeste e Centro-oeste do País;
JOSÉ DE RIBAMAR NÓBREGA DE GALIZA, romancista, contista e cronista vitoriense;
JOSÉ MIGUEL PEREIRA CARDOSO, primeiro vitoriense a formar-se em curso superior, no início do século XIX, após estudar por conta do Governo na Universidade de Coimbra, pela qual doutorou-se em Medicina;
LOURENÇO PEREIRA PINTO, músico vitoriense,  compositor de marchas e dobrados, com trabalhos incluídos na coleção A grande música do Maranhão, organizada pelo Pe. João Mohana, e prefeito de Vitória nos anos 50; e
VINÍCIUS CÉSAR SILVA DE BERREDO, poeta e tradutor vitoriense, que verteu para o português grande parte da obra de Dante Alighieri e de outros autores clássicos.
Ante tão rico leque de opções, defendemos a inclusão desses nomes no rol dos patronos da Academia, de forma que os futuros membros possam optar por um ou outro.
Que os futuros membros por Vitória – entre eles, talvez, a jornalista SELMA MARIA SILVA DE FIGUEIREDO, o médico ANTONIO NILO DA COSTA FILHO, o poeta e contista PAULO TARSO SILVA BARROS e o sacerdote e tribuno FLÁVIO DE SOUZA BARROS – saibam fazer justiça a esses insignes homens que nasceram ou viveram no Mearim e ainda vivem nas nossas mentes e nossos corações para sempre.
Enquanto não vêm as novas aquisições da Academia, temos a ingente tarefa de consolidá-la. Não descansaremos enquanto, juntos, ararienses e vitorienses, não contemplarmos consolidada nossa instituição. Porque temos tarefas a cumprir, temos quilômetros a andar antes de dormir. Quilômetros a andar antes de dormir ...
Muito obrigado.


5. Discurso proferido pelo Presidente da Academia, Washington Cantanhêde,
    em Vitória do Mearim

Sr. Presidente da Academia Maranhense de Letras, ilustre escritor Jomar Moraes; Exmo. Sr. Desembargador Mílson Coutinho, renomado historiador, membro da Academia Maranhense de Letras, na pessoa de quem saúdo todas as autoridades presentes; Sr. Presidente da Academia Anajatubense de Letras, professor e escritor Mauro Rego; Sr. Antonio de Pádua dos Santos, membro da Academia Parnaibana de Letras; Srs. Fundadores da Academia Arariense-Vitoriense de Letras; Senhoras e Senhores,
No crepúsculo do século XX, quando se intensifica o processo de solapamento do culto tradicional a determinados valores culturais que notabilizaram os maranhenses, fenômeno decorrente dos efeitos maléficos que a decantada globalização também acarreta, um grupo de filhos legítimos ou por adoção de Vitória do Mearim e Arari que cultivam e cultuam aqueles valores postam-se ante os respectivos conterrâneos, esperançosos e resolutos, para fazer um anúncio e uma convocação. Anunciam, com a fundação de uma academia de letras, que, embora espinhosa, há uma estratégia de guerra a adotar para obstaculizar a marcha do inimigo que obnubila e desfigura nossas mais caras tradições. E convocam – para o combate diuturno que se há de travar contra aquele inimigo.
A estratégia de guerra anunciada é simples: tomem-se por armas o intelecto e a cultura individual. O combate perene para o qual todos são convocados exige a assimilação dos ideais da Academia. O impulso para isso há de ser dado pela marca que seus fundadores pretendem imprimir na realidade cultural dos dois municípios irmãos. O combate implica, mediante uso das armas antecitadas, o resgate dos bons exemplos legados pelo passado e a valorização de um notável patrimônio material e espiritual, traduzido este pela riqueza das tradições coletivas e do conjunto das histórias de vida de muitos dos que nos precederam, forjando a saga do povo do Baixo Mearim.
Prezados confrades,
Nós, idealizadores e fundadores da instituição com tal perfil e com tais fins, temos, portanto, um enorme desafio auto-imposto. É desafio que se agiganta, quando se sabe que, pelas especificidades desta Academia, congregando representantes de bases territoriais diferentes, seu funcionamento, em variados aspectos, requer considerável exercício de criatividade e abnegação pessoal, como constatamos na fase preparatória de sua fundação. Eis o quadro: a Academia deverá ser exemplo de instituição cultural e agente de produção e revitalização da cultura, enquanto procurará manter-se viva, com a estrutura organizacional inédita que adotou: duas seções, duas sedes, obrigatoriedade da alternância de vitorienses e ararienses na sua direção, etc.
Todavia, não seremos pequenos. Esta entidade, surgida ao raiar do século XXI e, por conseguinte, no albor do terceiro milênio da Era Cristã, será um marco na história de Arari e de Vitória do Mearim.
Nasce a Academia negando a existência de diferenças substanciais entre os povos dos dois municípios. Temos a mesma origem histórica, sob o signo da cruz, a compasso com a guerra feita aos silvícolas Gamela e Guajajara das ribeiras do Mearim e do Grajaú. Nossas árvores genealógicas têm as mesmas raízes e são pródigas nos entrecruzamentos de Batalhas, Bogeas, Cutrins, Ericeiras, Fernandes, Maciéis, Prazeres, Ribeiros, Rodrigues Chaves, etc. Impossível é não identificar nas raízes tubulares ou na densidão dos galhos dessas imensas árvores o passado genético comum de um determinado vitoriense ou arariense.
Nasce a Academia repudiando o passado de bairrismo pueril que cindiu e distanciou os devotos de Bom Jesus dos Aflitos dos devotos de Nossa Senhora de Nazaré.
Seguirá a Academia ciente de que, somados os frutos da inteligência dos povos irmãos, representados pelos seus membros, o porvir será culturalmente rico e feliz para todos.
Mas terá algum valor pugnar por esse resgate de valores culturais? E, em caso afirmativo, terá sentido fazê-lo por meio de uma academia de letras?
Em verdade, a atitude de resgatar valores culturais perdidos nas brumas do passado e a de salvá-los quando ameaçados de extinção significam, respectivamente, o restauro do fio da história de um determinado povo e o exercício da vigilância que impedirá novas perdas. Por terem negligenciado em tal mister, cometido, indistintamente, a todos os indivíduos unidos pelos laços da história comum, muitos povos se tornaram fracos e perderam até o domínio sobre sua vida político-administrativa. Desconhecendo a obra monumental de construção de sua identidade cultural, realizada pelos ancestrais, determinado povo perde o referencial histórico-social, desintegra-se em células sem perspectiva e fica à mercê das aventuras políticas sem compromisso com o bem comum. Vale dizer, com o escritor Antonio Olinto: um povo sem memória está morto e não sabe, porque nem memória ele tem para saber que está morto. Eis porque não somente é necessário velar pelas coisas da cultura em Arari e Vitória do Mearim, como em qualquer lugar deve ser feito, mas também é urgente empreender a valorização do que nos é caro como legado cultural, à vista do perigo que nos espreita sempre.
Estamos que esse desiderato pode ser alcançado, sim, pela atuação da Academia Arariense-Vitoriense de Letras. Afinal, o próprio teor do compromisso assumido pelos seus dirigentes nesta solenidade, que repete o disposto no artigo 1º dos seus estatutos, não dá margem a dúvidas.
É certo que academias de letras, de praxe, não se ocupam do estímulo às manifestações culturais populares nem à sua difusão, mas o fazem somente em relação à cultura erudita. Esta, entretanto, até em função do perfil de alguns dos seus patronos, reconhecidamente agentes de cultura popular, não se furtará a discutir formas e meios de atuação nessa área, para recomendação aos organismos interessados ou obrigados a intervir. Embora não possa ter participação executiva, poderá atuar com proposições, o que já será um avanço em setor da vida cultural tão desprestigiado entre nós, assim no plano das idéias como no das ações.
A prova maior desse descaso morreu há poucos dias, nesta semana. Refiro-me a Rosaldo Simplício Moreno, conhecido como Rosa Bobagem. O mais talentoso compositor e cantador de toadas de bumba-boi desta região morreu e não se concretizou o sonho, por muitos de nós acalentado, de ver gravadas em disco suas toadas mais representativas. Pelos relatos impregnados do fantástico e do misterioso que correm acerca de sua vida de cantador, certamente Rosa Bobagem, sem demora, será uma das muitas lendas que habitam o imaginário popular local. Nosso confrade Aírton Marinho, aderindo ao verso imortal de Nélson Cavaquinho na canção Quando eu me chamar saudade, quis dar a Rosa Bobagem as flores que ele merecia, em vida; quis dar-lhe o carinho, a mão amiga, para aliviar seus ais, produzindo um disco cujo produto da venda ajudasse o poeta popular. Procurou, debalde, apoio financeiro para o projeto junto a quem tinha e tem o dever de emprestá-lo. Sou testemunha disso. Talvez um dia, agora que Rosa está morto, saia o disco. Ele, porém, em ritmo de toada, certamente entoará, do céu, o restante da mesma música de Nélson Cavaquinho: Depois que eu me chamar saudade/ Não preciso de vaidade/ Quero preces e nada mais.
No contexto de seus objetivos estatutários, o trabalho desta Academia será marcante em vários aspectos, seja promovendo concursos e eventos que ponham em destaque a produção cultural de cunho individual dos vitorienses e ararienses, seja simplesmente funcionando nos moldes previstos no seu Regimento Interno, de forma a manter programa permanente de incentivo à leitura e de estímulo à produção artística, científica e literária. Em outra direção, ao traçar os perfis biográficos dos seus patronos, tarefa das mais urgentes, constituirá um conjunto de informações do qual exsurgirá boa parte da própria história do Baixo Mearim, mormente no século XX. Como ignorar, por exemplo, que a biografia dos padres Eliud Nunes Arouche e Clodomir Brandt e Silva contam uma boa parte da história dos nossos municípios, onde exerceram seu paroquiato?
Desta forma, não há negar: a Academia Arariense-Vitoriense de Letras é instituição competente para resgatar, valorizar e defender a nossa cultura, de um modo geral. A Academia pode, deve e vai cumprir esse importante papel.
Não estará inovando ao atuar dessa maneira. A bem da verdade, espelhar-se-á em sua congênere de âmbito estadual, hoje inegavelmente presente no cenário cultural maranhense, graças ao estilo destemido e operoso do seu presidente Jomar Moraes, que nos honra e encoraja com sua presença nesta noite.
O conceito de “academia” sofreu alterações ao longo do tempo e as academias de letras do nosso país não passaram incólumes por esse processo, ao longo da sua existência. De nome do parque de Atenas que sediava ginásio e jardim doados pelo herói grego Academos, onde Platão reunia seus discípulos, séculos antes de Cristo; passando pelo ressurgimento do termo para designar as reuniões de humanistas nos séculos XV e XVI, na Itália e na França, em oposição às Universidades; até o surgimento da Academia Francesa, em 1634, com a função de fiscalizar o uso da língua francesa e de opinar sobre os livros publicados, um longo caminho fora percorrido. Fundada a Academia Brasileira de Letras, em 1896, nos moldes da francesa, sofreu a instituição duro golpe desferido por Graça Aranha, um dos nossos patronos, que, em 1924, no célebre discurso “O espírito moderno”, feito na Casa de Machado de Assis, afirmou ter sido um erro sua fundação, por suporem os primeiros acadêmicos que a entidade forjaria uma tradição cultural e não o inverso, que a tradição cultural, para ele ainda inexistente, deveria conduzir à constituição de uma casa daquele quilate. De qualquer forma, ponderou: já que existe, que viva e se transforme, deixando permear-se pelo sopro da vida exterior que desconhece, despertando os acadêmicos da sonolência em que se afundaram.
O fato é que de 1922, ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo, que Graça Aranha ajudou a promover, até os dias de hoje, embora com períodos intercalados de lentidão, mudou, certamente, o perfil das academias de letras. Verifique-se, para exemplificar, o papel de grande organização não-governamental que hoje desempenha a Academia Brasileira de Letras e a presença definitiva e marcante da Academia Maranhense de Letras na vida cultural do Estado, com seus 91 anos de idade, inclusive na execução de um plano editorial que põe nas estantes dos contemporâneos as obras de referência da historiografia e da literatura local.
A Academia Arariense-Vitoriense de Letras, recém-nascida, comete um ato de audácia: proclama que seguirá os passos de suas congêneres maiores e que não perderá de vista o ensino de Graça Aranha – abrir-se ao desconhecido que pulsa extra-muros e não se deixar cair na inoperância, vala comum em que jazem os desanimados, pobres de espírito e covardes. Afinal, não é esse o exemplo que nos legaram nossos patronos.
Como cair no desânimo, ignorando a lição de vida ofertada por cada patrono?
Para não ir longe na evocação de biografias, lembremo-nos do Pe. Eliud Nunes Arouche e do Pe. Clodomir Brandt e Silva. Ocuparam posições de destaque, cada um como sacerdote, político e educador, em Vitória e Arari, respectivamente, por, mais ou menos, metade do século que ora agoniza. Pe. Eliud, de 1923 a 1969; Pe. Brandt, de 1944 a 1998. Se não bastasse tudo o que fizeram, só o fato de terem dominado a cena em importantes setores da vida social, por 50 anos, cada qual, deixando vivamente marcada a passagem por este mundo, seria o bastante para considerá-los os homens do século no Baixo Mearim, independentemente do juízo favorável ou não que se possa fazer deste ou daquele aspecto de suas vidas.
Mas não só desses exemplos, ficando ainda no século que se finda, viverá nossa Academia. Miremos outra trajetória de vida. Trata-se da história de um homem definitivamente emblemático para nossa Academia, porque nascido na região, diferentemente dos vigários antecitados, e herói dos dois municípios, pois, nascido em um deles, viveu a maior parte da vida no outro e deixou parentes, amigos e sementes de esperança em ambos. Descendente da família Maciel, nasceu em Santa Joana do Japão - Vitória do Mearim, em 1916. Alfaiate em Arari, criou e educou com honra e desvelo sua prole. Mudando-se com a família para São Luís em 1970, concluiu com êxito os seus estudos, até então de nível primário, indo do curso de madureza ginasial à Faculdade, formando-se em 1981, aos 65 anos de idade, ainda com vigor suficiente para escrever e publicar dois livros, de memórias, poesia e crônicas. Faleceu aos 81 anos. Por tudo isso, talvez tenha sido ele, verdadeiramente, o homem do século no Baixo Mearim, um homem simples, decidido a alcançar seus objetivos e a deixar um registro da sua luta como luzeiro para as futuras gerações. Chamava-se José Soares. É patrono da cadeira fundada por seu próprio filho nesta Academia, Dr. Éden Soares.
Diante desse exemplo de obstinação em busca de um ideal, como imaginar desânimo futuro diante das agruras que – é certo – enfrentaremos? Não nos é lícito cruzar os braços e desistir, diante do desafio provocado pela lembrança incessante de José Soares. Desesperar, jamais. Debandar, nunca. Não temos o direito de recuar frente aos obstáculos naturais para empreendimento tão grandioso.
Talvez surjam dois ou três profetas da catástrofe e vaticinarão o fim da Academia, sem demora, anunciando-a perdida em meio ao desânimo, ao descaso e à desunião dos seus membros. Sempre aparecem os vates do infortúnio! Mas serão falsos profetas a pregar no deserto, pois nossa academia é filha da convicção de ararienses e vitorienses preocupados com a memória histórico-cultural de sua região. Por isso, ela seguirá firme, fruto do desejo desses irmãos de sustentarem-na inviolável.
Chegando ao fim desta modesta oração, vale buscar nos versos de Trajano Galvão de Carvalho, outro patrono da nossa Academia, o incentivo para a caminhada. Colocando-se na pele de um negro escravo aquilombado, cantou nosso poeta a fortaleza da vontade deste, ao enfrentar a condição servil:
Como reina a nudez na tapera,
No meu peito a vontade é que impera,
Aqui dentro só ela dá leis:
Se cometo uma empresa gigante
Co’o bodoque ou co’a flecha talhante,
A vontade me brada – podeis.
Daí-nos, ó Deus, o império da vontade no peito, editando a lei da persistência para a empresa gigante de manter viva e atuante a Academia Arariense-Vitoriense de Letras!
Muito obrigado.






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