sábado, 22 de maio de 2021

A VIAGEM INCONCLUSA, REMEMORADA 30 ANOS DEPOIS

 

  • Na estrada, a morte súbita do prefeito Jorge Moisés ao anoitecer.
  • As consequências políticas do fato histórico vitoriense.

Por Washington Luiz Maciel Cantanhêde

Terminava a manhã de um dia nublado, entre o fim de abril e o início de maio. Eu ainda não completara 28 anos de idade e era o presidente da Câmara Municipal de Vitória do Mearim, nos primeiros meses da gestão. Estava com os vereadores Francisco Eduardo Costa e Francisco Xavier Santos, amigos, em um restaurante da entrada da cidade.
Apareceu-nos, de repente, o prefeito municipal e adversário Jorge Moisés da Silva, contra quem vínhamos de travar embates contínuos e, mês após mês, desde janeiro, ultimamente com vitória no plano judicial, lutávamos para obter o repasse dos recursos necessários ao funcionamento do poder legislativo local. Com seu jeito irreverente de ser, alheio a regras de conveniência ou etiqueta social, sentou-se à mesa, expansivo, tal como faria um aliado político (que ele não era), pegou um pedaço de frango assado da travessa e começou a comê-lo enquanto nos fitava, sorridente. Como se fôssemos amigos muito próximos, puxou uma conversa aparentemente despretensiosa em meio ao constrangimento geral.
Em determinado momento, pôs a mão sobre meu ombro e, em meio ao riso irônico que lhe era próprio, me disse, em voz alta, com seu linguajar característico:
- Olha, Vitória do Mearim é nossa! Quem deve dirigir seus destinos somos nós mesmos, e não gente de fora. Nós nos entendemos. Se brigarmos de manhã, à tarde estaremos passeando na praça, um com o braço no ombro do outro. Com estranhos nunca será dessa forma. E o pior será a dificuldade, depois, para tomar o controle das mãos deles.
Logo se levantou e, desconfiados, o seguimos com o olhar até o carro, estacionado entre o posto de combustível e o restaurante.
Dera aquele recado como se cumprisse uma missão e partiu em alta velocidade, como quase sempre.
O recado tinha causa conhecida: sabia ele que, pelo menos dois de nós, vereadores ali presentes, estávamos praticamente fechados com a candidatura a prefeito, em 1992, de Reginaldo Rios Pearce, um estranho no ninho da política local e seu desafeto, embora já tivessem sido amigos de carteado e negócios. O ex-engenheiro da empresa Estral, radicado em Vitória após terminar o trabalho que viera fazer na região, obra da ferrovia de Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce (hoje, Vale, apenas), vinha ganhando projeção desde 1988. A minha própria eleição para a presidência da Câmara, uma proeza do grupo parlamentar de oposição, minoritário, passara por uma costura com participação do engenheiro.
Tínhamos Jorge Moisés como um adversário difícil de vencer. Comerciante e fazendeiro de gado vacum, em que se destacava o seu rebanho de búfalos, apaixonado por veículos automotores, que trocava velozmente (longe, contudo, da velocidade que empreendia ao volante), o filho de imigrantes árabes católicos, amoroso para com os seus familiares, era um político que prometia grande longevidade na vida pública local.
Ele era vereador no final dos anos 1960 quando rompera com o grupo do jovem prefeito José de Ribamar de Matos, herdeiro político do padre Eliud Nunes Arouche, formando, como candidato a vice-prefeito, a chapa encabeçada pelo também vereador Lourival José Coelho, que disputou a prefeitura municipal, para o mandato de janeiro de 1970 a janeiro de 1973, com os situacionistas Cristovam Dutra Martins e José Maria Rodrigues, candidatos a prefeito e vice-prefeito, respectivamente. Derrotado, voltou ao protagonismo da cena política em 1972, agora como candidato a prefeito, tendo como candidato a vice o pastor local da Igreja Assembleia de Deus, João Evangelista Rodrigues. Novamente derrotado, agora por Maria do Socorro Sampaio de Matos (leia-se: Ribamar Matos, marido desta, que, vítima de estratagema dos adversários, ficou impedido de concorrer naquele pleito), tendo esta como vice José da Silva Gomes, em pleito bastante disputado no voto e na Justiça, e de resultado muito contestado (perdeu, oficialmente, por três votos), Jorge ressurgiu em 1976, mais uma vez como candidato a prefeito, trazendo Fernando Melo, do povoado Igarapé do Meio (hoje, sede do município de mesmo nome), como candidato a vice.
Um tanto pelo desgaste do grupo no poder desde o início da década anterior, outro tanto pela aura de vítima eleitoral que o circundava, mas principalmente por um carisma muito próprio – que conjugava efusivas demonstrações de afeto para com aliados e cativantes mostras de identificação com os mais humildes, assim como ruidosas e chocantes manifestações de desapreço para com os adversários e hilárias condutas em público –, Jorge Moisés venceu, em campanha renhida, os candidatos situacionistas José Maria Rodrigues (prefeito) e Juarez de Jesus dos Prazeres (vice) com maioria de 818 votos, número significativo para a época e que, para desforra das derrotas anteriores, fazendo-o lembrado pelos adversários por todo o tempo do mandato, quiçá também em resposta ao episódio sangrento que marcou a comemoração da sua vitória, foi, estilizado, convertido em logomarca do seu governo.
Seis anos de mandato (janeiro de 1977 a janeiro de 1983) foram suficientes para consolidar Jorge Moisés como um dos grandes líderes da política vitoriense. Daquela época, a título de realizações bem visíveis do seu governo, remanesce o hospital municipal que ele fez construir e funcionar, a que deu o nome brasileiro do seu pai, Kalil Moisés da Silva, o mesmo padeiro Kalil Moses Abi Salles (ou, primitivamente, Abu Sale, Abu Sales, Abu Salem ou Ab-Salem), que chegara ao Maranhão, procedente do Líbano, por volta de 1920, radicando-se na vila da Victória do Baixo Mearim.
Jorge entregou o cargo de prefeito municipal ao seu aliado Lourival José Coelho, eleito em 1982 com Marenilde Alves de Sousa Melo (vice, esposa do vice anterior, Fernando Melo), que venceram a chapa encabeçada pelo ex-prefeito Ribamar Matos, na qual o vice era Urany Gusmão da Costa (também ex-prefeito, do período 1961-1966). Lourival Coelho sagrou-se vitorioso pela conjunção de três forças políticas: seu próprio prestígio eleitoral, demonstrado em sucessivas eleições para a Câmara Municipal, desde 1966; a força da candidatura ao governo do Estado do marido de sua sobrinha e seu aliado, deputado federal Luiz Alves Coelho Rocha, do PDS (ex-ARENA), partido da ditadura; e o prestígio do seu antecessor, compadre e amigo, Jorge Moisés. A despeito disso, afastaram-se durante o mandato que se seguiu. Jorge, entretanto, cuidou de manter-se ativo na política, apoiando candidatos no pleito geral de 1986 e se aproximando do antigo adversário Ribamar Matos e seu grupo.
Em 1988, mortos no exercício do cargo de prefeito, sucessivamente, o titular Lourival Coelho (de morte natural, em 1986) e a vice Marenilde Melo (de acidente automobilístico, em 1988 mesmo), para surpresa de muitos, Jorge Moisés apareceu como cabeça da chapa que tinha Ribamar Matos na posição de vice, concorrendo à prefeitura municipal. Venceram aquela disputa com folga (mas não sem contestações da voz popular), deixando em segundo lugar Benedito Benê Prazeres Lemos, nova força política, surgida em 1982 e que se consolidava naquele momento, também apoiado por sindicalistas e lideranças populares, segmento que lhe deu o candidato a vice; e em terceiro, o vereador José Benedito Cruz, representando o que restava do grupo dos ex-prefeitos falecidos no exercício do cargo, àquela altura comandado pelo prefeito Manoel Antônio Maciel (Nezinho), presidente da Câmara a quem tocara, no final da linha sucessória, assumir, em julho de 1988, a chefia do poder executivo municipal. Era a consagração do fenômeno eleitoral chamado Jorge Moisés da Silva.
O prefeito que combatíamos em 1991, e o fazíamos desde o início do mandato, em janeiro de 1989, nós, os vereadores recém-surpreendidos naquele fim da manhã de um dia entre abril e maio, era uma fênix da política local – um Jorge Moisés da Silva, portanto, renascido das cinzas várias vezes, razão pela qual o imaginávamos assaz longevo na atividade. Vendo-o sempre, e cada vez mais, exitoso no exercício do papel de Jorge Moisés, queríamos e esperávamos vencer o seu candidato a prefeito em 1992, mas sabíamos ser difícil. Ele já fizera sucessor antes, depois de governar seis anos, e poderia repetir o feito.
Poucos dias depois daquele inusitado encontro no restaurante da entrada da cidade, todavia, a notícia, inacreditável, chegou pelo telefone como se fosse uma bomba. Era 21 de maio de 1991, uma terça-feira. Anoitecia. Nas imediações do ainda povoado Olinda dos Castro (hoje, cidade de Olinda Nova do Maranhão), um veículo automotor do modelo pampa, de cor branca, atropelou um búfalo que cruzava a rodovia, capotando por duas vezes na sequência, antes de cair no abismo lateral à estrada. O acidente interrompeu a viagem e ceifou a vida do condutor do utilitário e seu único ocupante: Jorge Moisés da Silva, prefeito municipal de Vitória do Mearim...
O Município parou. Todos pararam, incrédulos, até o final da tarde de 22 de maio, quando, coberto pela bandeira oficial do Município que acabara de ser restaurada pela Câmara Municipal, o féretro com o corpo do pranteado Jorge Moisés, depois de percorrer em grande cortejo as ruas da cidade, desde a casa residencial do Prefeito, na Praça da Criança, até o Cemitério do Alto São Francisco, desceu à sepultura.
O trauma ganhava maior dimensão porque, em um período de cinco anos, aquele era o terceiro prefeito vitoriense que falecia no exercício do cargo, dois dos quais de acidente automobilístico. Além disso, o prefeito Nezinho Maciel escapara, no segundo semestre de 1988, de um acidente de lancha dentro do Município.
Mas a realidade se impunha: a municipalidade estava, oficialmente, há 24 horas sem prefeito e era preciso dar posse no cargo, imediatamente, ao vice-prefeito José de Ribamar de Matos. Como desde o início da manhã fora acertado, coube-me fazê-lo, como presidente da Câmara Municipal. Convocados, os vereadores compareceram à sala das sessões ainda no final daquela tarde e declaramos Dr. Ribamar, tal como regressava do cemitério, empossado no cargo, depois de tomar-lhe o compromisso de bem servir (mais uma vez) ao povo da sua terra.
Jorge e Ribamar, aliados que se tornaram adversários que se reencontraram como aliados, foram, como não poderiam deixar de ser, produtos do seu tempo e da ambiência social em que surgiram como políticos. Vitória do Mearim, antes deles, havia conhecido o coronelismo clássico da política, com toda a sua crueza. O tempo deles conservava muitos traços marcantes do mandonismo na política e foi precedente ao pleno estado democrático de direito. É nesse contexto que eles devem ser retratados pela História. Tão diferentes na maneira de ser, de pensar e agir, foram duas lideranças carismáticas como jamais surgiu outra nos últimos 30 anos. Jorge desapareceu em 1991 e Ribamar, em 1995, de morte natural, depois de amargar o dissabor de uma gestão (1991-1992) que não foi efetivamente sua, pois eminências pardas conseguiram deixá-la nada plausível.
O que se seguiu não cabe nestas notas. É matéria para muita discussão.
Importa dizer, entretanto, que há 30 anos, neste dia, Vitória do Mearim caminhava, sem querer, para cair em um vazio de liderança política no ano seguinte, haja vista a mudança radical de cenário provocada pela morte de Jorge Moisés. E esse fato foi determinante para o que vimos na sequência: Reginaldo Rios Pearce habilitou-se como candidato viável e foi eleito prefeito em 1992 (com meu apoio, inclusive), deixando Benê, por pequena margem de votos, em segundo lugar; e em terceiro, por larga diferença, Antonio Moyses da Silva Netto, de saudosa memória, como candidato situacionista.
Depois de recusar o trabalho no histórico prédio da Prefeitura Municipal, inaugurado em 1943, sede do governo, também, dos prefeitos mortos nos últimos anos, Reginaldo deu o tom da política local até a última eleição, ano passado, vencendo várias vezes e sendo vencido, mas sem perder o fôlego, apenas duas, em 2004 e 2016, pois não esqueçamos que o atual alcaide de Vitória, eleito em 2020, embora sem ter então recebido o apoio daquele, abraçou a política, quatro anos antes, sob incentivo do grande fazendeiro, em que se tornou o engenheiro, que faleceu há poucos meses.
Quanto a mim, não obtive a reeleição em 1992, pois ainda não perdera a majestade aquela que reinava, desde os anos 1950, pela maestria na fraude, conhecida nacionalmente como a zona eleitoral “Quarenta e Uma”: simplesmente, não foram enviadas as cédulas de votação para o local de onde viria o quantitativo de votos suficiente para garantir a minha vitória. Promotor de Justiça desde 1993, mas sempre vinculado à minha terra, não me canso, entretanto, até hoje, de lembrar certas palavras que ouvi, com vereadores amigos, em uma manhã vitoriense de trinta anos atrás...
(São Luís do Maranhão, 21 de maio de 2021)
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Jorge Moisés na Câmara Municipal de Vitória do Mearim,
aguardando a promulgação da Lei Orgânica do Município,
em que prestaria o compromisso de cumpri-la (01.04.1990).

Ribamar Matos assumindo o cargo de prefeito municipal em sessão da Câmara
presidida pelo vereador Washington Cantanhede (22.05.1991)

Dona Darcy Rocha, Jorginho, Jorge Moisés e
Dona Miriam Bogéa e Silva
(Festa na Escola Ana Bogéa Gonçalves)



Jorge Moisés da Silva *03/06/1934 +21/05/1991








segunda-feira, 19 de abril de 2021

SÍMBOLOS MUNICIPAIS - UMA MEMÓRIA

NO ANIVERSÁRIO DE VITÓRIA DO MEARIM,

UMA MEMÓRIA SOBRE OS SÍMBOLOS MUNICIPAIS,

30 ANOS DEPOIS

 


Por: Washington Luiz Maciel Cantanhêde

 

Há trinta anos, em solenidade realizada pela Câmara Municipal de Vitória do Mearim, então presidida por mim, eram apresentados os símbolos oficiais do Município.

A solenidade foi o cumprimento de uma obrigação imposta pela Lei Municipal Nº 7-A, de 1º de dezembro de 1990, que instituiu tais símbolos, cujo projeto tinha sido de minha iniciativa antes de ser eleito presidente da Câmara, em parceria com João Batista Jardim Borges (João Macário), que na Casa representava a região do Lago Açu, ainda pertencente ao Município.

 Decidiu-se pela data de 19 de abril de 1991 para a referida apresentação porque então se completariam os 160 anos de um movimento dos moradores mais destacados de Vitória do Mearim, em abril de 1831, traduzido por uma representação pela sua emancipação política, encaminhada à Câmara de São Luís, considerando que a região em que habitavam preenchia os requisitos legais para obter autonomia, pois, “dando sete eleitores, tinha maior número de fogos dos que os exigidos para a criação de qualquer vila”. A emancipação viria somente dois anos depois, por decisão do Conselho Geral da Província do Maranhão, adotada em sessão realizada no dia 19 de abril de 1833, mas a iniciativa dos vitorienses, dois anos antes, foi deveras importante para isso, pois verbalizara com sólidos argumentos o desejo de autonomia.

 Se não tinha sido fácil, em 1990, obter a aprovação do projeto de lei instituindo os símbolos e sua efetiva conversão em lei (eu e meu colega João Macário éramos da bancada de oposição, minoritária; e a lei não recebeu sanção expressa do prefeito municipal, precisando ser promulgada pelo presidente da Câmara, vereador José Aguiar, depois de muita insistência minha), melhor sorte também não teve a sessão solene do Poder Legislativo para sua apresentação: foi boicotada pelos membros do Executivo, que não compareceram ao ato e ainda realizaram festividades paralelas, descumprindo a lei municipal que previu uma realização conjunta dos dois poderes locais para marcar o transcurso do aniversário do Município e dos 160 anos do movimento pela sua emancipação (artigo 19).

 


Embora parcialmente prejudicada, também, pela forte chuva que caiu sobre a cidade na tarde de 19 de abril de 1991, o comparecimento popular à solenidade não decepcionou. Em meio aos discursos proferidos pelos vereadores do grupo de oposição, pois os que apoiavam o prefeito e seu governo também não compareceram, ao som dos dobrados executados pela Banda Paroquial e com a presença do autor da letra e da música do hino municipal, Sr. José de Ribamar Duarte, vitoriense nascido no povoado Lapela, conhecido em São Luís como Tio Zeca, os símbolos foram apresentados.

 

O povo recuperou, então, a emoção e o fascínio que lhe causava aquela bandeira multicor utilizada com entusiasmo nos atos oficiais a partir de 1971, mas que, de meados dos anos 1980 até aquele momento (abril de 1991), não passava de uma pálida lembrança. Pálida, decrépita e distante, por sinal. É que remanescia um dos dois exemplares que foram confeccionados em 1971, mas estava desbotado, puído e com paradeiro ignorado.

 O povo passou, desde então, a conviver diariamente com a evocação de sua própria história, representada pelo brasão emoldurado posto em local de destaque na Câmara Municipal; e também passou a ter um hino para cantar, do qual podia orgulhar-se, intitulado Soberano, composição de um conterrâneo em homenagem ao Rio Mearim e sua ribeira de histórias mil.



 A bandeira começara a ser utilizada em 1971, quando era prefeito municipal o Sr. Cristóvão Dutra Martins, que mandou confeccioná-la em São Paulo, a cargo do heraldista Arcinoé Antônio Peixoto de Faria, e que obteve sua aprovação pela Câmara Municipal, em agosto daquele ano, embora sem apresentar, para isto, um projeto de lei, como era exigido. Esse símbolo, portanto, não fora instituído oficialmente. E, com o tempo e o descaso, acabou relegado ao esquecimento.

 A restauração do brasão e da bandeira, esta contendo aquele, foi trabalho individual meu em um primeiro momento, socorrendo-me de algumas fotografias onde a bandeira aparecia parcialmente, de um texto com sua descrição heráldica (cedido por Dr. José de Ribamar de Matos, ex-prefeito) e de pesquisa em várias fontes, inclusive obras raras de referência, como a Grande Enciclopédia Luso-Brasileira. Ao final, e já com o auxílio artístico e o empenho característico do conterrâneo Airton Marinho, que elaborou o brasão em xilogravura e contratou experientes profissionais do bairro Madre Deus, em São Luís, foram confeccionados três exemplares bordados da bandeira. Um deles, com esmerado acabamento, que durante muito tempo ficou na Sala das Sessões da Câmara Municipal, dali foi depois retirado a pedido de um prefeito, a pretexto de mandar fazer outro igual, para nunca mais ser devolvido nem visto, tampouco saber-se aonde foi parar.


 O hino, composto por Tio Zeca em dezembro de 1981 sob encomenda da administração municipal, não recebeu a importância devida. Instado por meu colega João Macário, que me propôs a apresentação de um projeto de lei criando o hino municipal, eu, que também já alimentava a ideia, sabedor da composição de autoria de Tio Zeca, procurei contactá-lo para obter uma cópia do trabalho, o que consegui mediante a ajuda de meu pai, Antônio Duarte Cantanhede, também músico e conhecido dele. A partitura obtida foi adaptada para cada instrumento musical pelo maestro Vicente Antônio Gonçalves (Vicente Braga), que, à frente da Banda Paroquial, já o executava naquele tempo. Sua letra é simples, de forte apelo popular – o que é muito bom.

 A instituição dos símbolos era não só o cumprimento de uma determinação da Lei Orgânica do Município (artigo 5º), mas a restauração de um bem cultural menosprezado (bandeira e brasão nela contido) e um caso de justiça para com o conterrâneo Tio Zeca.

 Apresentados esses símbolos, publicamente, na tarde do dia 19 de abril de 1991, o que se seguiu foi a generalização do seu uso até hoje, apesar da tentativa de eclipsá-los naquela ocasião, ou de eclipsar os responsáveis pela sua instituição. Já no dia 7 de setembro de 1991, presenciava-se em frente à Prefeitura Municipal, ao fim do tradicional desfile estudantil alusivo ao Dia da Pátria, o hasteamento da bandeira do Município simultaneamente à execução do seu hino, da forma como foram instituídos. Nas camisas do fardamento escolar, no timbre dos documentos oficiais locais, nos desfiles, nos jogos de futebol, nos feriados cívicos, nos cortejos fúnebres de autoridades ou ex-mandatários etc., é uma constante a presença do brasão ou da bandeira municipais e, dependendo do caráter festivo que o ato tenha, a execução do hino, do qual sobressai o refrão: Óh, gleba querida!/Teu nome é Vitória./És minha vida, és meu amor/E minha glória.” Há 30 anos, sem interrupção...



 Estou muito feliz hoje, apesar do momento difícil que atravessamos. Em meio à pandemia de covid-19, que manifesta a sua face mais cruel no Brasil destes dois últimos meses, acabei de assistir, no facebook, a uma interessante releitura do hino, em ritmo de samba, cantado pelo nosso artista popular Edivaldo Brito, com acompanhamento de outros músicos da terra.

 Vitória completa: trinta anos depois, os símbolos vitorienses são, definitivamente, do povo de Vitória do Mearim!

  (São Luís do Maranhão, 19 de abril de 2021)


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

ANIVERSÁRIOS QUE EVOCAM O INGRESSO DE VITÓRIA DO MEARIM NO SÉCULO 20

 

Texto: Dr. Washington Maciel Cantanhede

 

O ano de 2021 alberga os aniversários de três importantes fatos da história recente de Vitória do Mearim, todos ligados à vida de grandes figuras do universo político local: 70 anos da posse de Lourenço Pereira Pinto e 60 anos da posse de Urany Gusmão da Costa no cargo de prefeito municipal; e 30 anos da morte do prefeito Jorge Moisés da Silva, provocando o retorno de José de Ribamar de Matos, vice-prefeito, ao comando da municipalidade.

Sobre o último acontecimento, ocorrido em maio de 1991, discorreremos em outra oportunidade. Cuidemos, agora, dos dois primeiros, considerando a atualidade dos respectivos aniversários, que se completam exatamente em 31 de janeiro de 2021.

Lourenço Pinto, músico e político vitoriense de origem humilde, chegou a experimentar, após trabalho incansável, situação econômico-financeira avultada como próspero comerciante e proprietário rural, residente no povoado Laje Comprida.



Em meados do século 20, Pedro Lopes Gonçalves, Antônio Nilo da Costa e Sebastião da Costa Sampaio dominavam a cena política de Vitória do Mearim, todos tendo exercido o cargo de prefeito municipal. Amigo deles, Lourenço Pinto foi indicado candidato a prefeito municipal na eleição de 1950, que disputou derrotando o candidato da oposição, Eduardo Pereira, apoiado pelo pároco local, Pe. Eliud Nunes Arouche, não sem sacrifícios, pois, segundo ele, precisou vender parte de seu gado para custear a campanha eleitoral. Governou durante metade do mandato, de 31 de janeiro de 1951 a junho de 1953, quando, por força das circunstâncias políticas locais (compromisso político-partidário, pré-eleitoral, de natureza coronelista, padrão político da época), teve de afastar-se do cargo, entregando a administração ao vice-prefeito José Gervásio Maciel, que completou o quinquênio do mandato, findo em 30 de janeiro de 1956.

Lourenço Pinto foi o único prefeito de Vitória a divulgar realmente, logo que finda a gestão, um autêntico relatório de sua administração, com pública prestação de contas, que fez imprimir e distribuir. No documento, traçou o perfil do seu governo, citando o “rombo” que encontrou nas finanças do Município e a importância que deixou em cofre; e que não deixara dívidas para seu sucessor pagar – coisa raríssima –, deixando, ao contrário, quase 300 mil cruzeiros para construção de um posto médico na cidade de Vitória, obra que, por sinal, não se realizaria. No relatório, elencou suas realizações, que foram muitas, apesar da escassez de recursos financeiros naquela época, cumprindo os compromissos assumidos na campanha eleitoral, entre as quais merecem destaque: inauguração da primeira luz elétrica da cidade, em 7 de setembro de 1952, produzida por gerador de propriedade do Município; implantação de um programa de construção e recuperação de obras públicas, das quais restam alguns metros de cais na orla ribeirinha da cidade; aquisição de instrumentos musicais para organização da Orquestra Municipal, os quais foram utilizados durante décadas seguidas por uma geração de músicos da terra; e aquisição, em 12 de novembro de 1952, do primeiro carro que transitou permanentemente em Vitória do Mearim: um caminhão marca Ford, da Prefeitura.

Deixou o cargo de prefeito sem se locupletar dos dinheiros públicos, como é geralmente lembrado na cidade até hoje. E acabou saindo da Prefeitura em situação econômica pessoal inferior àquela em que a assumira, mas de cabeça erguida, sem ter beneficiado ilegalmente a si nem à sua família. Governou com a Lei Orgânica dos Municípios (era uma para todo o Estado) aberta, ao alcance da mão, como gostava de enfatizar o respeito que devotou ao princípio da legalidade em sua administração.

Ao final do quinquênio 1951-1956, em meio ao caos político-administrativo reinante, e de literal escuridão (a cidade já não brilhava sob iluminação elétrica), foram eleitos Raimundo Antônio Maciel (Dico Maciel), também residente em Laje Comprida, e José Maria Gonçalves (filho primogênito de Pedro Gonçalves) para prefeito e vice-prefeito, respectivamente, derrotando o candidato do grupo do Padre, Miguel Moisés da Silva.

Coube ao vice José Maria assumir a Prefeitura de 1957 em diante, por motivo de licença do titular, que preferiu cuidar de seus interesses particulares.

Historicamente, o mais importante da passagem de José Maria Gonçalves pela Prefeitura de Vitória do Mearim foi a ponte que aquiesceu em construir para a eleição de Urany Gusmão da Costa (“Punim”) a prefeito municipal, tendo como vice José Maria Rodrigues, cargos que os dois exerceram no quinquênio de 31 de janeiro de 1961 a 30 de janeiro de 1966, representando o grupo do Padre, enfim, vitorioso.

Punim, filho de criação do Padre Eliud, derrotou, naquela eleição, dois candidatos a prefeito: José Maciel e, ironicamente, Lourenço Pinto... Mesmo o gestor mais operoso do passado, somente porque era remanescente deste, não conseguia fazer face aos ventos da mudança...



Urany foi apoiado por expressivas lideranças da política estadual. José Maria Gonçalves rememorava, inclusive, que Bernardo Pires Leal, diretor do Banco do Estado do Maranhão, pretendente a uma vaga na Assembleia Legislativa, intermediou seu apoio à candidatura de Urany, o que ele concedeu ao conterrâneo somente após receber o consentimento do pai, Pedro Gonçalves, então magoado e rompido com Antônio Nilo da Costa.

E foi assim que, finalmente, surgiu sangue novo na administração pública vitoriense, iniciando uma nova fase na história local, a qual, embora ainda prisioneira de velhas práticas político-eleitorais coronelistas, levou a uma mudança de mentalidade administrativa, consentânea com os rumos que o Brasil já começara a trilhar.

Na gestão de Urany Gusmão da Costa foi restabelecida a iluminação pública de Vitória, mediante funcionamento de dois motores de geração de energia elétrica obtidos através da Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste-CERNE. Na mesma época, surgiu o Hospital e Maternidade Aliete Belo Martins, primeiro estabelecimento de saúde da cidade (nunca houvera o posto médico programado por Lourenço Pinto...). E foram dessa época muitas outras realizações impactantes na vida social da então modorrenta cidade.

O grande historiador britânico Eric Hobsbawm, em sua obra A Era dos Extremos: o breve século XX, situa o referido século não de 1901 a 2000, como a lógica recomenda, mas entre 1914 e 1991, considerando a ocorrência, nesses anos, dos dois fatos delimitadores do tempo no século passado: a deflagração da Primeira Guerra Mundial e a queda da União Soviética. Apropriado o paradigma, e adaptado à realidade do nosso burgo, não é exagerado dizer que, se Lourenço Pereira Pinto, com sua gestão operosa e transparente, sinalizou a entrada, finalmente, de Vitória do Mearim no século XX, Urany Gusmão da Costa foi quem encarnou, efetivamente, a mudança que fez, com 60 anos de atraso, o Município ingressar no século passado, quando os herdeiros políticos do Padre Eliud assumiram o comando político e administrativo local. Foram eles que nos legaram aquilo que, em suas bases mais sólidas, é o Município atual. Não é à toa que não existem livros de atas da Câmara Municipal anteriores a 1959...

Lourenço Pereira Pinto, nascido em 10.08.1901, tentou ainda, sem sucesso, eleger-se vereador de Vitória do Mearim em 1976. Em 1987, a 6 de maio, morria, pobre, nesta cidade, o homem que rompeu as trevas não só da densa noite vitoriense, mas também da ignorância e do atraso administrativo local. Nome de rua na sede do Município (homenagem que lhe foi prestada em vida por seus ex-adversários que então comandavam o Município), como músico, honra a cultura vitoriense pela inclusão de composições suas na coleção organizada pelo saudoso Padre João Mohana, intitulada A grande música do Maranhão, hoje no acervo do Arquivo Público do Estado.

José Maria Gonçalves, nascido em 25.12.1920, que foi ponte do passado para o futuro de Vitória do Mearim, futuro que seu povo, há 70 anos, vem teimando em construir, morreu a 26 de abril de 2007.

Urany Gusmão da Costa, nascido em 01.12.1930, que também foi vereador em duas legislaturas (1955-1959 e 1977-1983), faleceu a 28 de março de 2015. Seu companheiro de mandato, o vice-prefeito José Maria Rodrigues, nascido em 31.05.1929, que também seria vice de Cristovam Dutra Martins (1970-1973), candidato a prefeito vencido por Jorge Moisés da Silva em 1976 e vereador em várias legislaturas, faleceu a 14 de agosto de 2018.



Para que seus feitos não caiam na escuridão do esquecimento e seus nomes não se apaguem jamais, a Academia Vitoriense (Instituto de Literatura, História e Geografia, Artes e Ciências) conta, entre os patronos das cadeiras de seus membros efetivos, com os numes tutelares de Lourenço Pereira Pinto e Urany Gusmão da Costa, entre outros vultos históricos de Vitória do Mearim.

 

 

 

 

A VIAGEM INCONCLUSA, REMEMORADA 30 ANOS DEPOIS

  Na estrada, a morte súbita do prefeito Jorge Moisés ao anoitecer. As consequências políticas do fato histórico vitoriense. Por Washington...