sábado, 1 de fevereiro de 2020

CRISTOVAM DUTRA MARTINS: 50 ANOS DE SUA POSSE NA PREFEITURA DE VITÓRIA DO MEARIM


CRISTOVAM DUTRA MARTINS, PREFEITO DE VITÓRIA DO 
MEARIM: 50 ANOS ATRÁS

Texto: Washington Luiz Maciel Cantanhêde


CRISTOVAM DUTRA MARTINS


No dia 31 de janeiro de 1970 – portanto, há 50 anos –, tomou posse no cargo de prefeito municipal de Vitória do Mearim o advogado provisionado Cristovam Dutra Martins. Seu vice era José Maria Rodrigues, que, pela segunda vez, assumia tal cargo, haja vista que, dois mandatos antes, fora eleito juntamente com o prefeito Urany Gusmão da Costa.

Cristovam e José Maria tinham sido eleitos para cumprir no Poder Executivo Municipal o terceiro mandato do grupo inicialmente liderado pelo cônego Eliud Nunes Arouche, pároco local falecido em 1969; grupo, por isso, em 1970, já sob o comando do prefeito José de Ribamar de Mattos.

Aquela eleição, em 1969, mudaria o panorama político municipal e selaria o destino político de vários líderes locais. Desde o lançamento da candidatura, um problema fora gerado, pois Lourival José Coelho, integrante do grupo, sentindo-se preterido na escolha, abriu uma dissidência no único partido então existente no Município, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), agremiação que então representava e defendia o regime político de exceção, instalado em 1964 e intensificado em 1968 com o Ato Institucional No. 5, o famigerado AI-5.

Lançando-se candidato a prefeito por sublegenda do mesmo partido, a ARENA 2, Lourival Coelho conseguiu levar como candidato a vice-prefeito na sua chapa o presidente da Câmara Municipal, vereador Jorge Moisés da Silva.

Cristovam e José Maria venceram a eleição pela sublegenda ARENA 1, apoiados pelo prefeito Ribamar de Mattos, mas estava constituída a beligerância político-partidária que marcaria o Município até o ano de 1988: Ribamar de Mattos e seu grupo de um lado; Jorge Moisés e|ou Lourival Coelho e seu grupo, do outro.

A sucessão na prefeitura municipal, nos mandatos seguintes, se faria sob a titularidade de Maria do Socorro Sampaio de Mattos, esposa de Ribamar de Mattos, que fora impedido, por motivo hoje considerado até jocoso, de participar do pleito (a primeira prefeita de Vitória, que teve como vice José da Silva Gomes e venceu a chapa encabeçada por Jorge Moisés – este com o vice João Evangelista Rodrigues, um pastor da Assembleia de Deus local –, seria a última do seu grupo, em eleição bastante disputada e conturbada); Jorge Moisés, com o vice Fernando Melo, que venceram José Maria Rodrigues e o candidato a seu vice Juarez de Jesus dos Prazeres; e Lourival José Coelho, com a vice Marenilde Alves de Sousa Melo, esposa do vice anterior, que venceram a dupla Ribamar de Mattos  (prefeito) e Urany Gusmão da Costa (vice).

Essas disputas foram travadas entre sublegendas da mesma ARENA, exceto a última, pois, na época, estava já extinta aquela agremiação. Era o início da abertura democrática (1982) e em lugar da ARENA fora fundado o Partido Democrático Social (PDS), pelo qual, ainda em sublegendas, Lourival e Ribamar disputaram o pleito daquele ano.

Apesar do clima de enfrentamento acirrado, com denúncias recíprocas e repetidas de fraude eleitoral e parcialidade judicial (que culminou com um tiroteio, embora apenas intimidatório, na frente da casa do juiz eleitoral em 1972), e até derramamento de sangue na comemoração da vitória do pleito de 1976 – como nunca mais voltou a ocorrer em Vitória do Mearim depois da Redemocratização, ainda bem! – os mandatos de 1970 a 1988 marcaram indelevelmente a história política e administrativa de Vitória do Mearim.

Foi quando as ondas inelutáveis do progresso, impulsionadas pelo desenvolvimento nacional, começaram a chegar em nossa terra: energia elétrica de qualidade, rodovias federal e estadual ligando o Município a centros urbanos avançados e substituindo de vez a navegação fluvial, telefonia na cidade e a ferrovia Carajás-Ponta da Madeira cortando o Município.

O governo de Cristovam Dutra Martins foi o primeiro dessa série, já encontrando o Município relativamente estruturado pelas gestões profícuas de Urany e Ribamar, que, na realidade, tiraram Vitória do Mearim, na década de 1960, de um atraso que ainda tinha características do modo político-administrativo da República Velha ou, pior ainda, do mundo iluminado a lampião do Brasil rural do século XIX. 

Cristovam soube tirar proveito do bafejo de progresso que começava a se esboçar e conseguiu da empreiteira EIT, que então asfaltava a rodovia BR-222, o asfaltamento das principais ruas centrais da cidade – um luxo para o interior do Estado naquela época, tão extraordinário para Vitória do Mearim quanto era grande a pobreza do Município.

O prefeito atuou nas áreas de gestão pública em que lhe era possível melhorar a vida da comunidade e ainda se fez pioneiro em várias outras iniciativas administrativas. Entre suas importantes realizações, a construção da maior parte do cais da orla ribeirinha da cidade (até hoje resistente, em boas condições estruturais), a criação e implantação da Escola Normal Ana Bogea Gonçalves (nosso primeiro estabelecimento de ensino médio) e a instituição, com interveniência do seu conterrâneo e amigo César do Egito (Bogea) Lopes Gonçalves, da bandeira e do brasão municipais, oficializados por lei somente em 1990, por iniciativa do autor destas linhas, então vereador.

O mandato de Cristovam, legalmente, de apenas 3 anos, foi concluído em 30 de janeiro de 1973. No dia seguinte, ele entregou o cargo à prefeita eleita Socorro Mattos. Sua participação nos movimentos políticos locais continuou, entretanto, ativa, sempre ao lado de Ribamar de Mattos, seu amigo de infância.

Cristovam Dutra Martins nasceu em 3 de abril de 1930, na verdade, na vizinha cidade de Anajatuba, filho do também rábula e intelectual André Lobato Martins, natural de São Bento, que pouco depois se mudaria para Vitória do Mearim trazendo o filho pequeno. Este, jovem e com saúde, procurou viver a vida em festa. Ele gostava da convivência com os jovens – dizia o também já saudoso poeta e professor Antonio Moyses da Silva Netto, amigos que foram pela vida afora. Gato Preto, como apelidaram Cristovam, era um boêmio e amante das artes.

***

Em 1984, aos meus 21 anos de idade, percorria eu as ruas da cidade de Vitória de bicicleta quando, na porta da casa residencial de D. Jorgina Carvalho, ao lado da mercearia do seu sobrinho Dorindo Carvalho Nolasco, ouvi o chamado daquela inconfundível voz grave e forte.

– Cantanhede! Ei, Cantanhede!

Era Cristovam quem me chamava. Atendi-o. Queria parabenizar-me porque soubera que eu havia descoberto, em antigo livro manuscrito da nossa paróquia, cuja consulta o vigário Padre Sergio Ielmetti me havia franqueado, o registro de batismo do grande poeta vitoriense Trajano Galvão de Carvalho, precursor da poesia em louvação à raça negra no Brasil.

Com essa queda que tu tens para as letras, tenho certeza de que ainda contribuirá muito para Vitória – assim, benevolente, arrematou ele a conversa.

Agradecido e encabulado, mas satisfeito, continuei a pedalar...

***

Entre 1998 e 1999, tendo já publicado em livro o meu primeiro exercício sobre a história de Vitória do Mearim, marquei com ele uma entrevista para colher subsídios necessários ao livro seguinte, que seria publicado em setembro de 1999. Encontrei-o visivelmente abatido em sua residência, apartamento do prédio de esquina do Caminho da Boiada com a Rua do Passeio, no centro de São Luís. Então, ele, apesar do nítido ar de cansaço, fez mais do que eu pedia: deu-me as informações pretendidas, mas também me ofertou o seu precioso álbum fotográfico de pessoas, eventos políticos e vistas da cidade de Vitória nos anos 1970, para que eu fizesse cópia.

Extasiado, corri para o Foto Center, na Praça João Lisboa, onde então eu obtinha bons resultados do gênero, como permitia o avanço tecnológico àquela época. Devolvido o álbum, passei a guardar as cópias fotográficas muito bem guardadas. Algumas já vieram a lume nas páginas do jornal Folha da AVL, mas a maioria fará parte do meu trabalho definitivo sobre a história da nossa terra.

***

Cristovam Dutra Martins faleceu em São Luís no dia 21 de março de 1999, com a saúde bastante debilitada.

Ele é patrono de cadeiras da Academia Arariense-Vitoriense de Letras (AVL), fundada em janeiro de 2000, e da Academia Vitoriense (AV), fundada em agosto de 2019.

Neste cinquentenário da posse de um dos melhores prefeitos municipais que Vitória do Mearim já teve, este é o tributo que, reconhecido e agradecido, presto à sua memória.

Que ele descanse em paz! Que o seu exemplo de bom gestor – assim como os de outros bons prefeitos que tivemos – possa ainda um dia frutificar em prol do povo carente desta terra!


Rua Urbano Santos, Vitória do Mearim-MA, noite chuvosa de 31 de janeiro de 2020.

(Washington Luiz Maciel Cantanhede)

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