CRISTOVAM DUTRA MARTINS, PREFEITO DE VITÓRIA
DO
MEARIM: 50 ANOS ATRÁS
MEARIM: 50 ANOS ATRÁS
Texto: Washington Luiz Maciel Cantanhêde
CRISTOVAM DUTRA MARTINS |
No dia 31 de janeiro de 1970 – portanto, há 50
anos –, tomou posse no cargo de prefeito municipal de Vitória do Mearim o
advogado provisionado Cristovam Dutra Martins. Seu vice era José Maria
Rodrigues, que, pela segunda vez, assumia tal cargo, haja vista que, dois
mandatos antes, fora eleito juntamente com o prefeito Urany Gusmão da Costa.
Cristovam e José Maria tinham sido eleitos
para cumprir no Poder Executivo Municipal o terceiro mandato do grupo
inicialmente liderado pelo cônego Eliud Nunes Arouche, pároco local falecido em
1969; grupo, por isso, em 1970, já sob o comando do prefeito José de Ribamar de
Mattos.
Aquela eleição, em 1969, mudaria o panorama
político municipal e selaria o destino político de vários líderes locais. Desde
o lançamento da candidatura, um problema fora gerado, pois Lourival José
Coelho, integrante do grupo, sentindo-se preterido na escolha, abriu uma
dissidência no único partido então existente no Município, a Aliança Renovadora
Nacional (ARENA), agremiação que então representava e defendia o regime
político de exceção, instalado em 1964 e intensificado em 1968 com o Ato
Institucional No. 5, o famigerado AI-5.
Lançando-se candidato a prefeito por
sublegenda do mesmo partido, a ARENA 2, Lourival Coelho conseguiu levar como
candidato a vice-prefeito na sua chapa o presidente da Câmara Municipal,
vereador Jorge Moisés da Silva.
Cristovam e José Maria venceram a eleição pela
sublegenda ARENA 1, apoiados pelo prefeito Ribamar de Mattos, mas estava
constituída a beligerância político-partidária que marcaria o Município até o
ano de 1988: Ribamar de Mattos e seu grupo de um lado; Jorge Moisés e|ou
Lourival Coelho e seu grupo, do outro.
A sucessão na prefeitura municipal, nos
mandatos seguintes, se faria sob a titularidade de Maria do Socorro Sampaio de
Mattos, esposa de Ribamar de Mattos, que fora impedido, por motivo hoje
considerado até jocoso, de participar do pleito (a primeira prefeita de
Vitória, que teve como vice José da Silva Gomes e venceu a chapa encabeçada por
Jorge Moisés – este com o vice João Evangelista Rodrigues, um pastor da
Assembleia de Deus local –, seria a última do seu grupo, em eleição bastante
disputada e conturbada); Jorge Moisés, com o vice Fernando Melo, que venceram
José Maria Rodrigues e o candidato a seu vice Juarez de Jesus dos Prazeres; e
Lourival José Coelho, com a vice Marenilde Alves de Sousa Melo, esposa do vice
anterior, que venceram a dupla Ribamar de Mattos (prefeito) e Urany Gusmão da Costa (vice).
Essas disputas foram travadas entre
sublegendas da mesma ARENA, exceto a última, pois, na época, estava já extinta
aquela agremiação. Era o início da abertura democrática (1982) e em lugar da
ARENA fora fundado o Partido Democrático Social (PDS), pelo qual, ainda em
sublegendas, Lourival e Ribamar disputaram o pleito daquele ano.
Apesar do clima de enfrentamento acirrado, com
denúncias recíprocas e repetidas de fraude eleitoral e parcialidade judicial
(que culminou com um tiroteio, embora apenas intimidatório, na frente da casa
do juiz eleitoral em 1972), e até derramamento de sangue na comemoração da
vitória do pleito de 1976 – como nunca mais voltou a ocorrer em Vitória do
Mearim depois da Redemocratização, ainda bem! – os mandatos de 1970 a 1988
marcaram indelevelmente a história política e administrativa de Vitória do
Mearim.
Foi quando as ondas inelutáveis do progresso,
impulsionadas pelo desenvolvimento nacional, começaram a chegar em nossa terra:
energia elétrica de qualidade, rodovias federal e estadual ligando o Município
a centros urbanos avançados e substituindo de vez a navegação fluvial,
telefonia na cidade e a ferrovia Carajás-Ponta da Madeira cortando o Município.
O governo de Cristovam Dutra Martins foi o
primeiro dessa série, já encontrando o Município relativamente estruturado
pelas gestões profícuas de Urany e Ribamar, que, na realidade, tiraram Vitória
do Mearim, na década de 1960, de um atraso que ainda tinha características do
modo político-administrativo da República Velha ou, pior ainda, do mundo
iluminado a lampião do Brasil rural do século XIX.
Cristovam soube tirar proveito do bafejo de
progresso que começava a se esboçar e conseguiu da empreiteira EIT, que então
asfaltava a rodovia BR-222, o asfaltamento das principais ruas centrais da
cidade – um luxo para o interior do Estado naquela época, tão extraordinário
para Vitória do Mearim quanto era grande a pobreza do Município.
O prefeito atuou nas áreas de gestão pública
em que lhe era possível melhorar a vida da comunidade e ainda se fez pioneiro
em várias outras iniciativas administrativas. Entre suas importantes
realizações, a construção da maior parte do cais da orla ribeirinha da cidade
(até hoje resistente, em boas condições estruturais), a criação e implantação
da Escola Normal Ana Bogea Gonçalves (nosso primeiro estabelecimento de ensino
médio) e a instituição, com interveniência do seu conterrâneo e amigo César do
Egito (Bogea) Lopes Gonçalves, da bandeira e do brasão municipais,
oficializados por lei somente em 1990, por iniciativa do autor destas linhas,
então vereador.
O mandato de Cristovam, legalmente, de apenas
3 anos, foi concluído em 30 de janeiro de 1973. No dia seguinte, ele entregou o
cargo à prefeita eleita Socorro Mattos. Sua participação nos movimentos
políticos locais continuou, entretanto, ativa, sempre ao lado de Ribamar de
Mattos, seu amigo de infância.
Cristovam Dutra Martins nasceu em 3 de abril
de 1930, na verdade, na vizinha cidade de Anajatuba, filho do também rábula e
intelectual André Lobato Martins, natural de São Bento, que pouco depois se
mudaria para Vitória do Mearim trazendo o filho pequeno. Este, jovem e com
saúde, procurou viver a vida em festa. Ele gostava da convivência com os jovens
– dizia o também já saudoso poeta e professor Antonio Moyses da Silva Netto,
amigos que foram pela vida afora. Gato
Preto, como apelidaram Cristovam, era um boêmio e amante das artes.
***
Em 1984, aos meus 21 anos de idade, percorria
eu as ruas da cidade de Vitória de bicicleta quando, na porta da casa
residencial de D. Jorgina Carvalho, ao lado da mercearia do seu sobrinho
Dorindo Carvalho Nolasco, ouvi o chamado daquela inconfundível voz grave e
forte.
– Cantanhede! Ei, Cantanhede!
Era Cristovam quem me chamava. Atendi-o.
Queria parabenizar-me porque soubera que eu havia descoberto, em antigo livro
manuscrito da nossa paróquia, cuja consulta o vigário Padre Sergio Ielmetti me
havia franqueado, o registro de batismo do grande poeta vitoriense Trajano
Galvão de Carvalho, precursor da poesia em louvação à raça negra no Brasil.
– Com
essa queda que tu tens para as letras, tenho certeza de que ainda
contribuirá muito para Vitória – assim, benevolente, arrematou ele a conversa.
Agradecido e encabulado, mas satisfeito,
continuei a pedalar...
***
Entre 1998 e 1999, tendo já publicado em livro
o meu primeiro exercício sobre a história de Vitória do Mearim, marquei com ele
uma entrevista para colher subsídios necessários ao livro seguinte, que seria
publicado em setembro de 1999. Encontrei-o visivelmente abatido em sua
residência, apartamento do prédio de esquina do Caminho da Boiada com a Rua do
Passeio, no centro de São Luís. Então, ele, apesar do nítido ar de cansaço, fez
mais do que eu pedia: deu-me as informações pretendidas, mas também me ofertou
o seu precioso álbum fotográfico de pessoas, eventos políticos e vistas da
cidade de Vitória nos anos 1970, para que eu fizesse cópia.
Extasiado, corri para o Foto Center, na Praça
João Lisboa, onde então eu obtinha bons resultados do gênero, como permitia o
avanço tecnológico àquela época. Devolvido o álbum, passei a guardar as cópias
fotográficas muito bem guardadas. Algumas já vieram a lume nas páginas do
jornal Folha da AVL, mas a maioria fará parte do meu trabalho definitivo sobre
a história da nossa terra.
***
Cristovam Dutra Martins faleceu em São Luís no
dia 21 de março de 1999, com a saúde bastante debilitada.
Ele é patrono de cadeiras da Academia
Arariense-Vitoriense de Letras (AVL), fundada em janeiro de 2000, e da Academia
Vitoriense (AV), fundada em agosto de 2019.
Neste cinquentenário da posse de um dos
melhores prefeitos municipais que Vitória do Mearim já teve, este é o tributo
que, reconhecido e agradecido, presto à sua memória.
Que ele descanse em paz! Que o seu exemplo de
bom gestor – assim como os de outros bons prefeitos que tivemos – possa ainda
um dia frutificar em prol do povo carente desta terra!
Rua Urbano Santos, Vitória do Mearim-MA, noite
chuvosa de 31 de janeiro de 2020.
(Washington Luiz Maciel Cantanhede)
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