ACADEMIA ARARIENSE-VITORIENSE DE LETRAS - AVL
Fundada em 29 de janeiro de 2000
Pessoa Jurídica
registrada nos cartórios do 1º ofício das comarcas de Arari (reg. nº 286,
lançado nas folhas 64 a 65, verso, do
Livro A-2) e de Vitória do Mearim (reg.
nº 436, lançado na folha 248 do
Livro A)
PRIMEIRA
DIRETORIA (CONSELHO ADMINISTRATIVO)
(Biênio
Janeiro/2000 a Janeiro/2002):
Presidente– Washington Luiz Maciel Cantanhêde
Vice-Presidente–José de Arimatea Leite Coelho
1º Secretário–Aírton Marinho Macedo
2º Secretário–José de Ribamar Fernandes
Tesoureiro–João Francisco Batalha
Fac-símile da capa e contracapa (abaixo) da Revista AVLAno 1- nº 1 - Abril de 2001 onde foram publicadosos discursos inaugurais |
* * * * * * * *
DISCURSOS PROFERIDOS
PELOS FUNDADORES
DA ACADEMIA
ARARIENSE-VITORIENSE DE LETRAS
NA SESSÃO INAUGURAL
1. Discurso proferido pelo acadêmico Arimatea Coelho, em Arari
Meus senhores,
Minhas senhoras!
Até poucos instantes atrás, existiam apenas dois caminhos que ligavam
a minha terra natal a esta.
O primeiro caminho era o que desembocava na tresidela desta cidade, -
caminho de chão de barro escorregadio, amassado por muitos pés ansiosos.
De Vitória, seguindo seu rumo até aqui, atravessávamos os campos
verdes das jaçanãs e o teso vasto e assombroso onde não habitava vivalma.
Naquele mundaréu de distâncias, apenas se ouvia o canto triste da fogo-apagou
solitária, escondida na moita de capim.
Por este caminho, caminheiro noturno que se aventurava, tinha que
andar atento, com as mãos na cruz do rosário para não ser surpreendido pela
croacanga que apavorava, fazendo com que o viajante passasse a noite inteira
andando em círculo, desnorteado.
Croacanga, ou boitatá, ou fogo-fátuo era alma penada de alguém que não
conseguira salvação pelas malvadezas que praticara em vida.
Este caminho quase não existe mais. A pressa e a cobiça dos homens
práticos e insensíveis lhe cortaram as curvas, destruíram o ninho da
fogo-apagou, e a croacanga - com seu fogo repentino, iluminando num clarão,
aqui e ali, o campo seco - não mais desafia os homens de coragem ou desnorteia
os viajantes que não sabem rezar.
Sobre este caminho de crenças, lendas e mitos estenderam outro, para
satisfazer aos caprichos da velocidade a que chegamos, nestes tempos de
indiferença, de insensatez e de agressões aos valores fundamentais da própria vida.
Muitas coisas fizeram, que contribuíram para a descaracterização dos
nossos costumes, da nossa cultura, da nossa identidade.
Só não conseguiram até agora foi destruir os caminho da nossa memória,
que deve resistir, sempre que a nossa terra se sentir ameaçada pelos fariseus
da história.
O outro caminho era o rio Mearim, com suas águas profundas. Temeroso,
tanto pela fúria incontida das suas marés de pororoca, como pela sua ânsia de
atingir o mar e, ao mar azul atingindo, desfazer-se em um infinito de ondas e mistérios.
Por este rio, um homem simples e humilde, com seu trombone de pistão
bem protegido e bem cuidado, muito navegou. Era o nosso pai, Lourival José
Coêlho.
Ele sempre vinha, a convite dos maestros Sabino Ericeira e José
Martins, para compor a banda de música que anualmente acompanhava a procissão
de Bom Jesus pelas ruas desta cidade e executava as partituras dos dobrados e
das marchas mais empolgantes da época.
Logo após, no salão de
"Mané Abas", lá estava ele, solfejando com seu trombone, em dueto
mágico com o sax encantado de José Martins, nas festas dançantes que alongavam
as novenas e varavam as noites e que só findavam com o nascimento do novo dia
que surgia embalado pela harmonia das notas, pela indicação correta do
compasso, e do ritmo, que aceleravam os corações e a todos envolviam num clima
bom de regozijo. Festas dançantes, das quais ele ganhava o pão para sustentar,
durante alguns dias, a família pobre e já bastante numerosa.
Quantas vezes aquele jovem senhor - que se fizera serralheiro, por
imposição da mãe, e músico, por genuína
vocação - teve que enfrentar este caminho de águas para cumprir o seu ofício
nesta terra de Nossa Senhora da Graça.
Muitas, muitas vezes!
Foi por este caminho que, certo dia, José Soares deixou o Japão da sua
infância para criar raízes em Arari, a terra dos seus amores, das suas paixões
e das suas reminiscências, para descobrir, mais tarde, e em tempo, que, além da
sua habilidade como alfaiate, sabia - com a simplicidade que lhe era peculiar -
coser o tecido da palavra poética e da prosa que enlevam e eternizam o
sentimento humano pela força da emoção e da sensibilidade.
Caminho
de correntezas e remansos! Por este rio, certo cidadão arariense, chamado
Nemésio Leão Leite, marinheiro do vapor Brasil, chegou a Vitória do Mearim e
ali descobriu que aquela mulher de nome
Felicidade deveria ser a sua eterna companheira. Por oportuno, devemos dizer
que esse cidadão arariense, já falecido, e essa mulher de nome tão belo e
singular, nascida em Vitória do Mearim, são os pais de Iolanda Lélia Leite
Coêlho, que é mãe de Amparo; de Almir; de Arimatea; de Dourival; de Raniere; de
Gardênia; de Cirineu e Kênia, todos vitorienses, ligados a esta terra boa por
laços de sangue, que, com exceção da morte, coisa alguma nesta vida pode
desatar.
Por este mesmo caminho, os
pais da minha avó Cotinha deixaram Arari, carregando consigo a tristeza no
coração pelo desenlace matrimonial da filha, quase menina ainda. Na tresidela de minha cidade fixaram
residência, instalaram um velho engenho para a produção de cachaça e açúcar mascavo.
Foi o cheiro adocicado do
melaço que provavelmente curou a minha
avó das feridas que lhe restaram em conseqüência do seu amor malsucedido.
A história deste rio é muito vasta e bela, e triste, às vezes. Ouçam.
Estamos ouvindo o marulhar de águas e o deslizar suave de canoas sobre seu
leito. Nelas, homens estranhos na cor, na língua que falam, na roupa que
vestem, nos gestos que fazem, nas armas que usam, se aproximam, cansados da
longa e exaustiva viagem. O que desejam esses estranhos em terras tão
estranhas?
Vejamos: outra canoa se aproxima veloz! Agora é Manoel Beckman, que,
após tramar e insurgir-se contra os abusos cometidos pela Companhia do
Comércio, e perseguido pelas autoridades provinciais, foge em busca de sua
fazenda Vera Cruz, enfrentando o medo do bote traiçoeiro da sucuruju, que tanto cresce e engrossa que às vezes é
confundida com um tronco de palmeira. Enfrentando também, nestas paragens
inóspitas, de feras terríveis e índios selvagens, as belíssimas sereias que
seduzem e arrastam os incautos para as profundezas das águas.
Mas, e essa voz enternecida?
Deve ser a de Trajano Galvão de Carvalho lamentando a triste e desumana
condição dos negros africanos, escravos da mesma ambição miserável que
prostituiu e dizimou os nossos gentios, destruiu nossas matas, roubou o ouro
das nossas montanhas, as esmeraldas dos nossos rios e nos legou uma dívida que
até hoje pagamos com o suor dos nossos rostos, com o sangue das nossas
vidas.
Como vimos, este rio, que nos lembra o fluir do tempo, nos lembra
também que temos uma vida em comum. Vida de
vastas amizades e fartas alegrias, de muitos sonhos e expectativas; também, de incertezas,
de temores, de angústias, misérias e insatisfações, - são as multifacetadas
manifestações da própria vida, que, se às vezes doem pela crueza de sua realidade, quase sempre constituem o
verdadeiro tempero que nos seduz e nos fortalece por estes caminhos tão
difíceis da nossa vertiginosa existência.
Este rio, que por muitos e muitos anos foi o principal elo de ligação
entre as duas cidades, Vitória do Mearim e Arari, é um elo de ligação do
passado com o presente, sempre nos lembrando que temos a mesma história e que
sempre estivemos unidos, tanto pelos laços das mais simples amizades, quanto
pelos laços das paixões que as tramas do amor vão urdindo, à revelia dos
preconceitos, das distâncias e das diferenças.
Na verdade, este rio não é apenas um curso de água comum, com
definição limitada pelo conceito geográfico, como bem poderíamos acreditar.
O outro caminho também não é um caminho comum.
O rio e o caminho de chão são algo mais amplo. Tão amplo, quanto os
campos da nossa fértil imaginação. Na verdade, eles são a própria HISTÓRIA, que
como num passe de mágica, e com toda sua grandeza e esplendor, vem inundando as
grandes planícies dos tempos, para que, nelas,
todos possamos viajar e aprender as grandes e verdadeiras lições que o
passado nos legou.
Por estes caminhos chegamos aqui, cúmplices dos mesmos anseios e das
mesmas necessidades, despidos de qualquer vaidade pessoal, para darmos início à construção de um novo tempo, ou
templo, onde se possa cultuar todos os valores que deverão sustentar a nossa
história no futuro.
Acreditamos sinceramente que a única vaidade que nos move nesta
empreitada é o fato de podermos contribuir. E contribuir com importantes ramos do conhecimento, defendendo-os das
constantes agressões que vêm sofrendo, graças à louca ambição humana que a tudo
transforma e que tenta nulificar agora o
que temos de mais nobre e essencial em nossas almas, que é a nossa capacidade
de sonhar com serenidade e criar com segurança.
Lembrando Otaviano Hudson, afirmamos que não queremos passar pela vida
em brancas nuvens e em plácido repouso adormecer, quando o mundo inteiro parece
estar à mercê do banal e da vulgaridade.
É por este motivo que falamos em defesa. Defesa de princípios que
fortaleçam o ser humano, social, política, religiosa e culturalmente; que
justifiquem a nossa passagem por este rio que é tempo, história e vida, no qual
não podemos navegar tranqüilamente sem a dignidade que esses princípios nos
propiciam.
É hora de defendermos a palavra, por exemplo, dos assaltos constantes
a que esse instrumento tão importante da comunicação humana vem sendo submetido
atualmente.
Não
raramente nos decepcionamos, sobretudo quando, na ânsia do conhecer e do
entretenimento, buscamos nas livrarias algo que nos abrande a fome. Aquela obra
tão elogiada não passa de um embuste, uma farsa, urdida criminosamente com a
intenção de nos saquear os bolsos. Enquanto isso, aquelas obras nascidas da
soberba do verdadeiro gênio da criação literária vão caindo no esquecimento,
para deleite da mediocridade.
Acreditem os senhores, que diante de grande parcela dos shows musicais
televisivos, geralmente surpreendemo-nos com os olhos fitos em algum ponto
perdido no fundo da tela, e nada vemos,
e nada ouvimos. De repente, é como se estivéssemos viajando espontaneamente em
busca de um outro mundo, talvez de um passado inesquecível, quando o sucesso da
música, por exemplo, era determinado pelo talento de seus compositores e ouvir
suas notas e a voz dos seus intérpretes não nos causava tédio, não enchia de
fastio a nossa alma. Desculpem o nosso sincero atrevimento!
Não adianta colocarem algumas seminuas no palco para requebrarem os
quadris, na dança do tchan, numa bizarra atuação que lembra mais a fúria
devassa de Messalina na cama, do que a leveza dos movimentos e a graça das
belas Divas que se fizeram imortais da dança e, conseqüentemente, transformaram
a dança num verdadeiro e eterno espetáculo. Sabemos que tudo agora não passa de
mera provocação, encenada com pobreza de espírito apenas para inflamar os
demônios da luxúria, nada mais.
Estas são algumas das famosas "inversões de valores", das
quais tanto falamos e contra as quais pouco ou quase nada fizemos.
Sabemos que o cintilante ouro, por quem o homem anseia e tem ardentes
febres, bem como o alucinante poder, por quem o homem é capaz de morrer e
matar, são os verdadeiros portais das efemeridades, pelos quais os demônios se
anunciam, para fazer do homem um eterno escravo do seu próprio vazio. Ah,
triste e lamentável condição humana, que, manipulada com habilidade, sustenta
os falsos valores, não apenas da música ou da dança: falsos valores da
literatura, das artes, das ciências, das
religiões... Enfim, falsos valores da política, moldados com os elementos
da vulgaridade e do sub-reptício, que,
para se manterem, geralmente iludem, subornam, mentem, roubam e destroem
esperanças, criando em torno de si mesmos uma soturna auréola de fulgurante
luzir.
Estes são os verdadeiros inversores das ordens e dos valores morais,
sociais, políticos e culturais, contra os quais deveremos apontar as nossas
armas para que tenham sempre uma vida desapercebida.
São por causa destes e de tantos outros motivos que estamos aqui,
sobretudo em atendimento à voz da nossa consciência cidadã, que nos impõe a
grande responsabilidade de contribuir com o presente, na defesa da história de
nossa gente, para que no futuro, por nossa omissão, a cultura dos nossos não
esteja ameaçada por uma grande corja de corruptores e criadores de banalidades
descartáveis.
A Academia Arariense-Vitoriense de Letras, que deve funcionar como o
mais novo caminho de aproximação entre estes dois povos que se gostam, deve ser
também, acreditamos, o instrumento principal de viabilização deste nosso
entendimento.
Muito obrigado!
2.
Discurso proferido pelo acadêmico José Fernandes, em Arari
Senhor presidente desta solenidade, acadêmico Agnor Lincoln da Costa;
Prefeito Rui Fernandes Ribeiro Filho, de Arari; Dr. Jomar Morais, escritor,
Presidente da Academia Maranhese de Letras; Des. Milson Coutinho, historiador,
membro da Academia Maranhense de Letras; Professor Mauro Rego, escritor,
Presidente da Academia Anajatubense de Letras; Deputada Maura Jorge; demais
autoridades; secretários municipais de Vitória do Mearim e de Arari,
representantes religiosos, professores da rede pública e particular dos dois
municípios, animadores culturais, poetas e artistas populares, líderes
comunitários, estudantes e destacados cidadãos das duas comunidades,
Este ato solene tem a nobre finalidade de dar vida a um projeto cultural
destinado a aglutinar aqueles que se interessam pela cultura na sua mais ampla
conotação, projeto que deverá ser desenvolvido por pessoas de Arari e de
Vitória do Mearim, através de uma entidade a que denominamos Academia
Arariense-Vitoriense de Letras, que está surgindo neste momento feliz.
Entrelaçados por raízes étnicas e histórias, Vitória do Mearim e Arari,
municípios limítrofes, com idênticas configurações físicas e humanas, similares
até nas carências, que, além de cultivarem os seus campos, também cultivam
idéias e esperanças, agora se unem numa só instituição, que terá o propósito de
valorizar a cultura local, incentivar e difundir as suas manifestações
artísticas, a pesquisa e a história comum; estimular novos talentos e promover
o intercâmbio com outros centros assemelhados, podendo até vir a despertar o
grupo social de que faz parte para a análise
crítica de suas perplexidades, e ainda – quem sabe? – eleger-se cidadela de uma
saudável reação contra o paulatino aniquilamento das nossas tradições, dos
nossos valores trazidos de berço, uma resistência inteligente a quem tente nos
submeter a uma iconoclasta inversão de valores, outrora tão bem preservados.
Nós, os fundadores desta Academia, enobrecidos com o apoio e a presença
dos integrantes e representantes das duas comunidades, com o aprazimento
benevolente de pessoas da mais alta expressão pública e do saber maranhense, e
sob a proteção de Deus, aqui estamos consumando os atos inaugurais que lhe
darão existência real e sustentação jurídica. E, lado a lado com essa gente da
melhor estirpe, a emergente organização, através de seus arautos, passará a
constituir-se no epicentro do pensamento evolutivo das duas cidades, sentirá
sua pulsação, as inquietações e seus anseios maiores, para externá-los com arte
e sabedoria.
Digna assembléia, os objetivos a serem alcançados por esta entidade não
consistem em planos mirabolantes, visionários e inalcançáveis, e sim em
promover gestões exeqüíveis no âmbito da cultura, área que nos é familiar. Os
idealizadores deste projeto conhecem suas limitações, mas também conhecem as
suas potencialidades. São pessoas experientes que já transpuseram obstáculos, participaram
de missões de sacrifício, conhecem as dificuldades. Alguns até já ergueram e
continuam “erguendo templos à virtude e masmorras aos vícios”. Não se
surpreenderão com os óbices, não se submeterão às intempéries, nem esmorecerão
com eventual falta de apoio, incompreensão, indiferença, ironia ou opróbrio;
sabem que não estarão semeando em terreno árido e têm a certeza de que esta
iniciativa é, em escala maior, a continuação de outras que já foram
empreendidas, com relativo êxito, nestas plagas.
Ademais, tanto Arari quanto Vitória do Mearim sempre tiveram filhos que se
destacaram no campo do conhecimento humano, das ciências e das artes, sobretudo
das artes. E “fazer arte – dizia Fernando Pessoa – é querer fazer o mundo mais
belo, porque a obra de arte, uma vez feita, constitue beleza objetiva, beleza
acrescentada à que há no mundo”. Em Arari, por exemplo, nasceram, ergueram as
suas tendas ou iniciaram o seu palmilhar
no mundo pessoas da estirpe intelectual e moral de José Silvestre Fernandes,
polígrafo, autor de um pioneiro projeto educacional; do Monsenhor Clodomir
Brand e Silva, escritor, pesquisador e gestor de um excelente trabalho de
civilização; de Zuleide Bogea, notável educadora, e tanto outros exemplos
engrandecedores, hoje com memória resgatada. E de Vitória do Mearim, município
co-irmão, surgiram personalidades como a do magistral poeta Trajano Galvão,
precursor, em nosso pais, da poesia libertária, anterior a Castro Alves e tão
brilhante quanto este; como o senador Lopes Gonçalves, político eminente,
destacado tribuno e jornalista; como o Mons. Eliud Arouche, sacerdote e orador
de considerável cultura, e muitos outros grandes vitorienses que, como os de
Arari, estarão hoje sendo homenageados, na condição de Patronos das Cadeiras
que dentro em pouco serão ocupadas.
Senhoras e Senhores, registre-se, de logo, para que fique nos anais da
Casa: nós, de Arari, fomos convocados para esta realização pelos companheiros
de Vitória do Mearim. O historiador Washington Luiz Cantanhêde promoveu as
primeiras articulações, iniciativa a que aderiram com presteza e boa vontade os
ararienses João Francisco Batalha, José de Ribamar Fernandes, Luís Henrique
Everton, Antônio Rafael Silva, Éden do Carmo Soares, José Ribamar Carneiro
Sobrinho, Francisco Ribeiro Júnior, Jorge Luís Fernandes Campos, José Ribamar
Muniz Pinto, Leão Santos Neto e Raimundo César Abas Prazeres, por isso mesmo
primeiros ocupantes da Seção Arariense. Emolduram o quadro da Seção Vitoriense
os ilustrados confrades Washington Luiz Maciel Cantanhêde, Airton Marinho
Macedo, José de Arimatea Leite Coelho, Almir Coelho Sobrinho, José Ribamar
Santos Vaz, Agnor Lincoln da Costa, Maria do Amparo Coelho dos Santos, Antônio
Moisés da Silva Neto, Sérgio Ielmetti e Dinacy Correa.
É evidente, digníssimas senhoras e senhores, que, em se tratando de um
organismo de recente concepção, seu
quadro de sócios não está completo; nele, por enquanto, figuram apenas estes
sócios fundadores, que tiveram a oportunidade de aderir ao propósito de sua
criação, que se reuniram várias vezes, discutiram idéias e decidiram criá-lo.
Várias cadeiras, portanto, estão vazias, esperando que outros e outras, de
igual ou maior merecimento que nós, venham propor-se a integrá-lo. Este
sodalício quer enaltecer o mérito da inteligência, dom que é de gente de todas
as raças, quaisquer graus de instrução, crença, idades e condições sociais;
repele todas as discriminações; pertence a todos os que o prestigiarem e deve
ser utilizado, ajudado, enaltecido e construtivamente criticado, se for o caso.
Seleta e paciente assembléia, estava a dizer-lhe, para fundamentar esta
nossa ousada pretensão acadêmica, que a inclinação às artes, notadamente às
letras, por estas bandas, vem de longo tempo, certamente por influência dos
nossos maiores do passado, o que justifica a existência contínua de centros de
cultura entre nós. Apenas para exemplificar, nos primeiros anos do século
passado o Arari já possuía um jornal, redigido à mão, por Thiago e Silvestre
Fernandes; logo depois, veio o periódico “A Ordem”, cuja impressora fora jogada
no rio, vítima da sanha vandálica de facções políticas que já naquele tempo se
digladiavam; dispúnhamos de escola de música e de três bandas, regidas pelos
maestros Sinfrônio, Raimundo Martins e Francisco Cardoso. Naquele tempo, já possuíamos
grupos de teatro, dirigidos por D. Dedé e Maria Luiza Novais, animadoras culturais de então.
Lembrando esse passado, por que não falar das pastorais, caprichosamente
organizadas por Belinha Pacheco e Almir Leão? Dos famosos bailes de São Gonçalo,
das Cheganças, das Festas do Divino, das brincadeiras do Carneiro, com
orquestra, organizadas por Sinhá Morais, precursora, talvez, do bumba-boi
orquestrado?
São também formas de cultura, que merecem referências, embora breves, o
artesanato praticado no Arari do passado por diligentes artífices: a fabricação
de brinquedos de Raimundo Teles; as esculturas de Raimundo Chaves, também
fabricante de sepos de tamanco, colher de madeira, pilão e imagens de santos; a
escola de Antônio Leão; de Da. Puresa; de Hilarião e de Zeca Fernandes; as
marcenarias de Pedro e Alberto Pestana; de Severo Chaves e Alziro Ribeiro, que
fabricava lancha movida a pedal; as carpintarias navais de Chico Nunes, Sérgio
Chaves, Leonete Costa, Crispiniano e João Teles; as funilarias de Mateus, Tomé
e Mundico Chaves, que fabricavam principalmente lamparinas; a Tanoaria de
Raimundo Tanoeiro; a Movelaria “Faixa Branca”, de Manoel Abas; a fábrica de
perfume de Manoel Leite; as oficinas de ferreiro de João de Nel, do Perna
Forte, no Peri-Mirim, que fabricou um motor à base de manivela; as oficinas de
Atanásio, Abel Jardim e João Ferreiro. Lembremo-nos também da enfermaria de
Jorge Oliveira; das diletas e dedicadas parteiras; das competentes doceiras que
vendiam seus produtos no “sereno” das festas, à luz da lamparina.
Toda essa gama de gente laboriosa e simples, de Vitória do Mearim e de
Arari, talvez até inconsciente de sua arte, merece ser aqui lembrada e
reverenciada, gente que fez de sua terra um lugar alegre, saudável, laborioso e
tranqüilo, nos bons tempos de cadeiras nas calçadas, à tardinha, e de crianças,
à noite, brincando de ciranda ao luar.
Mas, senhoras e senhores, foi nos anos quarenta, com a chegada em Arari do
Pe. Brandt, que fundou escolas convencionais e profissionalizantes, que a terra
teve elevado o seu padrão de vida cultural, em razão da boa instrução aqui
ministrada, da implantação de jornal semanal, de cinema, de livraria e de
grupos de representação teatral, enfim, de um conjunto de realizações que muito
a destacou no cenário educacional e cultural do Maranhão.
Inspirados por esse clima de avanço mental, nos anos cinqüenta, juntamente
com João Lima, José Pereira, José Pestana, José Santos, Manira, Laura,
Francisca Sanches, Cota, Arlete e vários outros companheiros, fundamos a União
Arariense dos Estudantes, com o Teatro “Profª. Raimunda Ramos”, que se exibia,
inclusive, na capital do Estado, e com o jornal “Gazeta Arariense”, que deixou
de circular, e a entidade estiolou, porque fomos envolvidos pela política
partidária, que nos dividiu, prejudicando aquele projeto embrionário e
promissor.
Nesse mesmo período, em
Vitória do Mearim, com José Ribamar Farias e Silva, Jorge Barros, Francisco
Sampaio, Marlene, Lúcia, Socorrinho Sampaio, Socorrinho Matos e muitos outros
jovens da época, fundamos a Associação Cultural e Recreativa de Vitória do
Mearim – ACREV, que tinha o seu jornal, o “Correio do Mearim”, do qual fomos
redator; realizávamos saraus literários, recitais de poesia, palestras e outros
eventos, sempre prestigiados pela oratória brilhante do Pe. Eliud Arouche e de
Lobato Martins.
Essas instituições, de Arari e de Vitória do Mearim, cumpriram o seu papel
no devido tempo. A União Arariense dos Estudantes–UAE ressurgiu anos depois,
com antigos e novos membros, transmudada para Grêmio Arariense dos
Estudantes–GAE, que foi uma grande escola de vida, formadora de excelentes
profissionais e líderes, executivos, políticos, poetas, escritores e
jornalistas – Grêmio que, nos anos oitenta, com a maturidade de seus membros,
foi transformado em Fundação Cultural, que ainda resiste, como mantenedora do
Colégio Comercial de Arari.
Enfim, senhoras e senhores, para não cansá-los mais ainda, diremos, em
síntese, que todos esses cometimentos, tanto os de época mais remota quanto os
mais recentes, como os serviços de alto-falantes Voz de Arari, Voz do Povo, Voz dos Estudantes, a Escola
de Artes Gráficas Belarmino de Matos, os jornais Boletim Paroquial, Notícias,
Gazeta Arariense, Vanguarda, Cidade de Arari, Ponto
de Vista, O Combate Arariense,
Folha Democrática e Map Terra, todos de
esporádica circulação; as escolinhas de música do maestro José Martins, que
iniciou tantos músicos – escola que está sendo continuada e ampliada para
outros municípios por seu filho, o maestro Carlos Martins, aqui presente,
colaborando conosco; a UCA–União Cultural de Arari, também com o seu jornal, e
outras tantas entidades que participaram e ainda participam da vida da cidade;
os lançamentos de livros de escritores ararienses; os do Pe. Brandt e Silva,
aqui mesmo impressos; deste que vos fala; de José Raimundo Soares e de Ribeiro
Júnior, autores que são hoje Membros e Patronos desta instituição – essas
organizações, movimentos e pessoas, de Vitória do Mearim e de Arari,
contribuíram de alguma forma para que chegássemos a este estágio, e ousadamente
a esta realização. Daí o motivo destas referências, cansativas, mas oportunas,
e também para cumprir uma obrigação nossa, já como Academia, de resguardar
registros como estes para a história de nossas cidades.
Dignos convidados, neste instante em que
participamos do surgimento desta novel instituição, juntos estamos vivendo
momentos de comunhão íntima e fraterna. É como se sentíssemos também os
eflúvios da presença, cristalizada na saudade, de tantos entes queridos que
conviveram conosco e que, não faz muito tempo, partiram para outros páramos,
como alguns de nossos pais, como Caiçara, Manoel Abas, David, José Martins,
José Soares, Pe. Brandt, Pe. Cutrim, e tantos outros de passamento mais remoto,
que talvez estejam nos velando na eternidade.
Congratulemo-nos entre nós, todos, neste momento de fé nos valores
maiores que cultuamos e pretendemos fazê-los permanentes.
Neste final, permitam-me um apelo.
Cortando os territórios das duas cidades que aqui se juntam, o
Criador, o Espírito Infinito do Bem, colocou um veio formidável, perene,
eterno, como se dissesse: “Filhos e filhas, este elemento natural que vai
nutri-los e saciá-los é parte de mim, cuidem bem dele”. Porém, como fizeram com
o próprio Cristo, nós estamos maltratando esse formidável ser natural, que nos
faz tanto bem e de sobra ainda embeleza e torna mais bucólica a nossa telúrica
paisagem. Esperamos que agora, que as duas cidades se entrelaçam, unam-se
também para preservar dos malefícios essa dádiva dos céus.
Esse ser prodigioso, que amplia a nossa fraternidade, essa artéria do
Onipotente, senhores e senhoras, é o rio Mearim, que agora, aqui, pode ser
oniricamente idealizado como se fosse testemunha e símbolo da presença de Deus
intercedendo por todos nós, e trazendo-nos na sua aragem alvíssaras
prenunciadoras do êxito deste empreendimento.
3. Discurso proferido pelo
acadêmico Carneiro Sobrinho, em Vitória do Mearim
Exmos. Srs. Presidentes de Academias de Letras aqui presentes,
Senhor Presidente da Academia Arariense-Vitoriense de Letras,
Autoridades,
Representante do Clero,
Estimados confrades da Academia Arariense-Vitoriense de Letras,
Senhoras e Senhores,
Quis DEUS, mais uma vez, que eu vivenciasse este momento ímpar,
incomum, marcado pela alegria, grande emoção e rara felicidade.
Quiseram os meus ilustres pares que recaísse sobre os meus ombros esta
ingente mas honrosa missão de saudar as pessoas que nesta noite memorável
testemunham esta cerimônia de posse dos eleitos que irão dirigir a
recém-instalada Academia Arariense-Vitoriense de Letras durante o biênio
2000/2002, neste Centro Social da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, na Praça
da Criança, nesta vetusta e acolhedora cidade de Vitória do Mearim.
Honrosa e nobilitante missão, repito, para este modesto arariense,
oriundo de humilde família da vizinha cidade, embora já calejado de reuniões,
assembléias e solenidades muito parecidas com esta – aqui e alhures –, porém
com conotações distintas, bem diferentes, tendo como ouvintes, em sua grande
maioria, trabalhadores, pois quis o destino que durante quase toda a minha
vida, a sua marca mais visível fosse a militância no movimento sindical
operário.
A Coluna Sindical de que, modéstia à parte, fui pioneiro na imprensa
maranhense, nos velhos e duros tempos do regime de exceção – de tenebrosa
memória –, cuja trajetória foi encerrada no jornal “O Estado do Maranhão”, com
o prematuro desaparecimento do inolvidável poeta Bandeira Tribuzi, este de
saudosa memória, tinha destino certo: a sofrida classe trabalhadora e os seu magnos
e históricos problemas.
Nesta noite, já demonstro, e de forma bastante clara, que fica
difícil, muito difícil, segurar a emoção.
Inicialmente, sinto-me na obrigação de
registrar, para os que aqui vieram e para os pósteros, que a Academia
Arariense-Vitoriense de Letras, solenemente fundada neste 29 de janeiro de
2000, foi fruto do idealismo do jovem e talentoso Washington Cantanhêde, do
poeta José de Arimatea Leite Coelho, do pesquisador João Francisco Batalha e do
artista plástico Aírton Marinho Macedo, que em 30 de outubro de 1999, e depois
de vários outros encontros, diversas reuniões e muitos debates, decidiram pela
criação deste sodalício.
A partir deles, posteriormente, outros ararienses e vitorienses, com a
mesma visão e idênticos ideais, incorporaram-se à tarefa de
institucionalizá-la, valendo destacar, nesse mister, o incansável trabalho do
poeta e escritor José de Ribamar Fernandes e do festejado tribuno Almir Coelho
Sobrinho.
Valendo-me de dados levantados pelo abnegado pesquisador João Batalha,
desejo recordar aos convidados que nos honram com suas presenças nesta noite
que a Freguesia do Mearim, hoje Vitória do Mearim, porém com outras
denominações antes do seu nome atual, teve seus primórdios no Sítio Velho,
atualmente território do município de Arari, isto entre os anos de 1723 a 1750.
Sua emancipação, entretanto, só ocorreria em 19 de abril de 1833, já neste
local em que hoje está edificada esta hospitaleira cidade.
Vinte e um anos após sua constituição já como município, ocorreria a
primeira cissiparidade, com a elevação de Santa Maria de Anajatuba à categoria
de vila e freguesia. Dez anos depois, seria a vez de Arari se emancipar de
Vitória do Mearim, através da Lei Provincial nº 690, de 27 de junho de 1864.
Continuou, contudo, o nosso município subordinado a Vitória, na
condição de Termo Judicial da Comarca do Baixo Mearim, isto até o ano de 1962,
quando foi instalada a Comarca de Arari, com o Termo Judicial de Pio XII.
A autonomia de Anajatuba, abençoada terra dos meus avós e da minha mãe,
e, também, de Arari, e, posteriormente, de Pindaré-Mirim, em 1923; Cajari, em
1949; Vitorino Freire e Lago da Pedra, em 1952, abriu caminho para mais 23
municípios se emanciparem, culminando com a adesão de Bela Vista, Igarapé do
Meio e Conceição do Lago Açu, em 1995, que também se emanciparam daquela que no
passado fora denominada de Capital da Ribeira do Mearim.
Carnelutti, o consagrado jurista italiano, citado numa das portentosas
obras de Washington Cantanhêde, diz que “o segredo do futuro está no passado”.
Dentro dessa premissa, permitam-me as senhoras e os senhores que têm a
paciência de me ouvir nesta noite luminosa que vos fale rapidamente de um dos
muitos luminares desta terra, Trajano Galvão de Carvalho, nascido em 19 de
janeiro de 1830, nas cercanias do Arraial da Vitória, que fez os primeiros
estudos em Lisboa, cursou Direito no Recife, voltou a esta terra e dedicou-se à
prática da medicina homeopática. Trajano Galvão foi precursor do movimento
literário contra a escravidão no Brasil, faleceu jovem, com 34 anos de idade,
em 14 de julho de 1864, em algum lugar do Mearim. São de sua autoria os versos
“Nasci livre, fizeram-me escravo. / Fui escravo, mas livre me fiz”.
Desejo falar-lhes, também, a respeito de José Silvestre Fernandes,
arariense ilustre, nascido no dia 1º de agosto de 1889, em um casarão da
enseada da Rabela, em Arari. Fez o primário na terra natal e cursou o Normal em
São Luís. Destacou-se como professor do Externato Cururupuense, do qual foi
diretor. Lecionou português e história em vários colégios da capital maranhense
e notabilizou-se como professor de geografia do notável Colégio Pedro II, do
Rio de Janeiro. Escritor e jornalista, tornou-se imortal da Academia Maranhense
de Letras e titular do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Faleceu
aos 81 anos de idade, na cidade do Rio de Janeiro.
Ainda sob a ótica de Carnelutti, de que “o segredo do futuro está no
passado”, gostaria de lhes falar de duas proeminentes figuras que se
destacaram, de forma insofismável, como os verdadeiros propulsores da educação
em nossa região, o Cônego Eliud Nunes Arouche e o Monsenhor Clodomir Brandt e
Silva.
Cônego Eliud Nunes Arouche, nascido em São Vicente Férrer, em 1898,
assumiu a Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Vitória do Mearim no ano de
1923, quando tinha apenas 25 anos de idade. Foi pároco do Município no espaço
de 46 anos, até 1969. Sua maior obra educacional patenteou-se com o Instituto
Nossa Senhora de Nazaré, educandário que fundou e dirigiu, e onde lecionou por
longos e profícuos anos. Sagaz, ligado à ala governista do Estado, desenvolveu
intensa atividade política, fazendo do Serviço de Alto-Falante “Voz da Vitória”
sua principal tribuna, através da qual exercitava com maestria o talento de sua
brilhante oratória.
Já o Monsenhor Clodomir Brandt e Silva nasceu no Município de Colinas,
em 22 de novembro de 1917, assumindo a Paróquia de Nossa Senhora da Graça em
1944, aos 27 anos de idade. Foi vigário de Arari durante 53 anos, até 1997. O
Padre Brandt, como era mais conhecido, legou para a nossa comunidade uma obra
educacional imorredoura, iniciada com os institutos Nossa Senhora da Graça e
Bom Jesus dos Aflitos, posteriormente desmembrados em Colégio Arariense e
Escola Normal de Arari, além de outras atividades culturais desenvolvidas no
Município. Foi comandante político durante cerca de 25 anos, militando quase
sempre na Oposição. Uma de suas trincheiras de luta era o serviço de
alto-falante, através do qual chamava seus liderados com a execução do hino
“Avante, Camarada”, quando dava mostras de sua elevada capacidade como orador
fluente e político altivo, através da Voz de Arari.
Numa visão moderna, de que os seus membros hajam revelado inegável
mérito, quer artístico, quer científico ou literário, e tendo por finalidade
precípua a valorização e a defesa da cultura de Arari e Vitória do Mearim, o
estímulo à produção e à difusão das manifestações culturais de cunho individual
dos moradores do Baixo Mearim, além do intercâmbio de idéias com outros centros
de atividade cultural, congêneres ou não, a Academia Arariense-Vitoriense de
Letras parece-me aberta à sociedade local, bem próxima do seu grande povo.
Antevejo-a vitoriosa em sua trajetória, iniciada oficialmente neste 29
de janeiro do ano 2000.
No plano terreno, material, não tenho dúvidas, haverá de se
solidificar e alçar altos vôos, sob a égide do esforço telúrico dos que a
conceberam e daqueles que vieram depois para instituí-la.
No plano espiritual, entendo que haveremos de contar sempre com os
Patronos da Academia, pelo imensurável legado que nos deixaram, pela eterna
saudade aberta com suas ausências, pelos belos exemplos de suas edificantes
vidas, pelo ecletismo que norteou as atividades multifacetadas de uns e de
outros, para que, pelos largos caminhos da Ciência, das Artes, da Literatura,
da Cultura, jamais se perca de vista o ser humano, em toda a sua inteireza
material e espiritual, jamais se deixe de lutar pela busca incessante do bem
comum.
A Academia Arariense-Vitoriense de Letras, na visão altruística dos
seus idealizadores e fundadores, a meu juízo, nasceu para somar, para edificar,
para brilhar, para pensar – e pensar grande! –, para unir, ainda mais, os laços
fraternos das comunidades de Arari e de Vitória do Mearim.
Arari nasceu aqui. A semelhança entre os dois povos é imensa. Fico a
pensar: quantos valores, quantos talentos, quantos luminares haverão de surgir
e ser reconhecidos no Baixo Mearim e além-fronteiras a partir de hoje, desta
grande noite?...
Dignas Autoridades, estimados Colegas, meus Senhores e minhas Senhoras,
agradeço, sensibilizado, pela afetuosa acolhida e atenção que me dispensaram
nesta noite inesquecível. Sinto-me plenamente recompensado e devo finalizar
proclamando, como sempre o fiz em toda a minha modesta vida, o meu acendrado
amor à Terra Natal. Mas, neste momento fulgurante, além de sentir-me orgulhoso
de ser arariense de nascimento, também sinto orgulho por me considerar
vitoriense de alma e de coração.
Muito Obrigado!
4. Discurso proferido pelo acadêmico Almir Coelho, em
Vitória do Mearim
Senhor
Presidente da Academia Arariense-Vitoriense de Letras, Dr. Washington
Cantanhêde; Senhores Acadêmicos; Senhor Presidente da Academia Maranhense de
Letras, Dr. Jomar Moraes; Senhor Desembargador e Membro da Academia Maranhense
de Letras, Dr. Mílson Coutinho; Senhor Presidente da Academia Anajatubense de
Letras, Professor Mauro Rego; Senhor escritor Antonio de Pádua dos Santos, da
Academia Parnaibana de Letras; Demais autoridades presentes, Senhoras e
Senhores,
Acostumado,
ao longo da vida, aos palanques político-eleitorais e à tribuna do júri
popular, deparo-me, agora, com a incumbência de fazer um pronunciamento, em
nome da Seção Vitoriense desta Academia recém-fundada, na qualidade de um de
seus membros, para, de alguma forma, marcar este evento.
Confesso que
hesitei quanto à melhor forma de desincumbir-me da missão confiada pelos meus
pares. Ao final de demorada reflexão, decidi-me por uma abordagem multifária,
que atenda aos desejos de saudar os confrades ararienses, de manifestar um
pouco de saudade e de prever o ingresso de novos acadêmicos, pela Seção
Vitoriense.
Discorrendo,
já, sobre os pontos que acabei de mencionar, devo dizer que me sinto muito à
vontade na companhia dos acadêmicos da Seção Arariense. Esse sentimento provém
da certeza de que, privando do convívio de tão privilegiadas inteligências,
estou mais perto da matriz sócio-cultural que engendrou a visão liberal de que
era detentor meu ancestral Pedro Nunes Cutrim, natural do povoado Sítio, do
Município de Arari, por quem nutro grande veneração.
Major Cutrim,
homem de luzes, depois de exercer os principais cargos executivos, legislativos
e da esfera judiciária na Vila do Mearim, no final do século XIX – e isto
depois de ocupar importantes cargos em Arari – , foi, por duas vezes, deputado
estadual representando o Baixo Mearim. Sobre ele chegou aos nossos dias a
imagem idealizada de um político sagaz, invencível nos embates travados no
âmbito municipal, tanto que morreu no exercício do mandato parlamentar.
Laços
familiares me tornam muito próximo de Arari. Além da família Cutrim, pertenço a
um ramo da família Coelho e a um ramo da família Leite oriundos daquele
tradicional município. A minha avó paterna, Maria dos Anjos Coelho, era natural
de Arari, tia, dentre outros, de Socorro Santos, casada com Tonico Santos. O
meu avô Nemésio Leão Leite, pai de minha mãe Iolanda Lélia Leite Coelho, era
também natural de Arari.
Tudo isto me
deixa extremamente à vontade para dizer aos confrades ararienses que é com
imensurável satisfação que nós, vitorienses, os recebemos na nossa cidade, para
a sagração da entidade cultural que, juntos, resolvemos criar.
Não somente
porque é uma determinação estatutária, mas porque já indelevelmente registrada
na memória coletiva, esta data – 29 de janeiro do ano 2000 – será considerada
um marco na história dos nossos dois municípios. Com efeito, realiza-se hoje
uma solenidade que se afigura um divisor de águas no relacionamento das
comunidades vizinhas e irmãs de Vitória do Mearim e Arari.
Secularmente
cultivando uma rivalidade infantil, que só trouxe ressentimentos aos nossos
ancestrais, hoje os moradores das duas cidades vêem o ocaso de uma mentalidade
arcaica que perdurava, em detrimento de uma almejada política de boa
vizinhança. A decisão de fundar conjuntamente esta Academia, a intensificação
do convívio dos membros das duas seções, que precedeu o referido ato, nas
reuniões preparatórias realizadas, tudo contribuiu para gerar clima propício a
uma caminhada, sob o signo do companheirismo e da cordialidade, também em outros
setores da vida social das duas cidades, doravante.
Nesse
sentido, estaremos, nós da Academia Arariense-Vitoriense de Letras, vigilantes:
que nenhum tremor abale o edifício da parceria que começamos a levantar, com
vistas a um futuro grandioso para todos, no plano cultural.
Falar de
cultura em Vitória e Arari exige que se fale dos homens e mulheres das duas
cidades que, nos seus ofícios ou por diletantismo, deram significativa
contribuição para ocuparmos o lugar que hoje ocupamos e para termos a consciência
aguçada na defesa dos nossos valores mais caros.
Neste parte
da minha fala, permitam-me, senhoras e senhores, fazer o exercício da saudade a
que me referi no início.
Refiro-me à
evocação da figura do meu pai, Lourival José Coelho, prefeito municipal de
Vitória falecido em 1986. Vendo hoje meu amigo de infância e de lutas várias
Aírton Marinho ocupando o lugar que lhe é devido na Academia
Arariense-Vitoriense de Letras, pelos seus méritos de artista plástico, não
posso conter a emoção. É que, quando Aírton se iniciava no mundo das artes, o
prefeito Lourival Coelho, num ato inédito para nós vitorienses, até então, não
se furtou a emprestar apoio oficial para a exposição da segunda série de
gravuras do referido artista, intitulada
Ao Trabalho. Mas não foi
somente isso o que ele fez. O que ocorreu foi comentado com maestria por
Ubiratan Teixeira em sua coluna no jornal O
Estado do Maranhão do dia 31 de março de 1985. Ouçamos o que escreveu
aquele ilustre cronista:
“Um detalhe dos mais significativos ocorreu no
“vernissage” de Aírton Marinho, quando ele abriu para o público sua exposição
de xilogravuras, “Ao Trabalho”, na Galeria Eney Santana: o convite foi feito
pela Prefeitura de Vitória do Mearim, terra do artista, e não só. No ato de
inauguração, lá estavam o Prefeito e todo o secretariado, inclusive o Juiz de
Direito e o Promotor.
Não é normal que isso ocorra
não apenas só aqui no Maranhão, mas no país inteiro, e ninguém pense que este
comportamento tenha alguma coisa que ver com o que se propõe fazer no país: uma
democracia cultural.
Não é de hoje que artistas e
escritores cobram de autoridades e políticos, industriais, homens de dinheiro
ou de simples aventureiros e vaidosos, a côngrua devida ao exercício desta
forma marginal de dignificar a vida do homem e da comunidade. Não é de hoje que
os agentes da inteligência e da sensibilidade cobram os dízimos devidos, de
quem tem e possui. Mas sempre foi raro o espetáculo que vimos na sexta passada,
quando assistimos a um verdadeiro ritual de atenção, de gozo sadio, de
cumplicidade, do Prefeito e de todos os de Vitória do Mearim que estavam ali na
Galeria Eney Santana, não de modo formal, cerimonioso ou pedinchão (que
político só aparece nessas reuniões para se empavonar e se promover), mas de
forma participante e assumida, como quem desejava também receber as atenções e
a reverência dos que ali foram, pela razão muito humana de também serem da
terra do artista.
Pena que outras autoridades
não tenham ido à Galeria Eney Santana, para perceberem esta lição de amor e
humana civilidade dada pelo Prefeito de Vitória e seu povo”.
Fiz este
registro, senhores acadêmicos, não para me comprazer ou retirar dividendos
políticos de um fato já coberto pelo esquecimento. Fiz este registro para
mostrar que o comportamento de Lourival Coelho em 1985 é tudo o que nossa
Academia deve esperar e exigir das autoridades dos nossos municípios, como
respeito às suas atividades. Oxalá recebamos o devido apoio nas nossas
manifestações!
Afinal, até
pela magnitude das biografias dos nossos patronos, não podemos ser ignorados
como instituição séria e que surgiu para impor um rumo a essa nau em franca
deriva, a cultura regional.
Não só as
ilustres pessoas cujas biografias foram lidas no início dos nossos trabalhos
merecem figurar como patronos deste sodalício. Há que se atentar, quando da
elaboração do Regimento Interno, para a necessidade da inclusão, no rol dos
patronos, por Vitória do Mearim, dos nomes de pessoas como
ANTONIO
MACHADO, catequista jesuíta português que atuou de 1751 a 1757 na catequese dos
índios Gamela da ribeira do Mearim, atraindo os silvícolas para o arraial que
fundou, depois transformado em Lugar de
Lapela, e escreveu o mais antigo relato escrito conhecido, em estilo
literário e com riqueza de detalhes, sobre a realidade selvagem dos habitantes
e das terras da ribeira do Mearim no
século XVIII;
ARTHUR
MACÁRIO LOPES GONÇALVES, sacerdote, educador e tribuno vitoriense, grande
benfeitor de sua terra;
ARTHUR
NAPOLEÃO COELHO DE SOUSA, magistrado e educador em Vitória, de 1895 a 1909,
casando-se com uma filha da terra, Raymunda Fernandes Bogea, irmã das
professoras Ana Leonor Bogea Gonçalves e Zuleide Violeta Fernandes Bogea;
CÉSAR DO
EGITO LOPES GONÇALVES, jornalista vitoriense, cujos escritos ilustram páginas
de vários jornais da capital, evidenciando o talento de que era dotado;
JESUS
NORBERTO GOMES, farmacêutico e prático de Química vitoriense, inventor da
fórmula da Cola Guaraná Jesus, batizada de “sonho cor-de-rosa” e hoje
patrimônio cultural do Maranhão, assim como de outros produtos, comercializados
no Norte, Nordeste e Centro-oeste do País;
JOSÉ DE
RIBAMAR NÓBREGA DE GALIZA, romancista, contista e cronista vitoriense;
JOSÉ MIGUEL
PEREIRA CARDOSO, primeiro vitoriense a formar-se em curso superior, no início
do século XIX, após estudar por conta do Governo na Universidade de Coimbra,
pela qual doutorou-se em Medicina;
LOURENÇO
PEREIRA PINTO, músico vitoriense,
compositor de marchas e dobrados, com trabalhos incluídos na coleção A grande música do Maranhão, organizada
pelo Pe. João Mohana, e prefeito de Vitória nos anos 50; e
VINÍCIUS
CÉSAR SILVA DE BERREDO, poeta e tradutor vitoriense, que verteu para o
português grande parte da obra de Dante Alighieri e de outros autores
clássicos.
Ante tão rico
leque de opções, defendemos a inclusão desses nomes no rol dos patronos da
Academia, de forma que os futuros membros possam optar por um ou outro.
Que os
futuros membros por Vitória – entre eles, talvez, a jornalista SELMA MARIA
SILVA DE FIGUEIREDO, o médico ANTONIO NILO DA COSTA FILHO, o poeta e contista
PAULO TARSO SILVA BARROS e o sacerdote e tribuno FLÁVIO DE SOUZA BARROS –
saibam fazer justiça a esses insignes homens que nasceram ou viveram no Mearim
e ainda vivem nas nossas mentes e nossos corações para sempre.
Enquanto não vêm
as novas aquisições da Academia, temos a ingente tarefa de consolidá-la. Não
descansaremos enquanto, juntos, ararienses e vitorienses, não contemplarmos
consolidada nossa instituição. Porque temos tarefas a cumprir, temos
quilômetros a andar antes de dormir. Quilômetros a andar antes de dormir ...
Muito
obrigado.
5.
Discurso proferido pelo Presidente da Academia, Washington Cantanhêde,
em Vitória do Mearim
Sr. Presidente da Academia Maranhense de Letras, ilustre escritor Jomar
Moraes; Exmo. Sr. Desembargador Mílson Coutinho, renomado historiador, membro
da Academia Maranhense de Letras, na pessoa de quem saúdo todas as autoridades
presentes; Sr. Presidente da Academia Anajatubense de Letras, professor e
escritor Mauro Rego; Sr. Antonio de Pádua dos Santos, membro da Academia
Parnaibana de Letras; Srs. Fundadores da Academia Arariense-Vitoriense de
Letras; Senhoras e Senhores,
No crepúsculo do século XX, quando se intensifica o processo de
solapamento do culto tradicional a determinados valores culturais que
notabilizaram os maranhenses, fenômeno decorrente dos efeitos maléficos que a
decantada globalização também acarreta, um grupo de filhos legítimos ou por
adoção de Vitória do Mearim e Arari que cultivam e cultuam aqueles valores
postam-se ante os respectivos conterrâneos, esperançosos e resolutos, para
fazer um anúncio e uma convocação. Anunciam, com a fundação de uma academia de
letras, que, embora espinhosa, há uma estratégia de guerra a adotar para
obstaculizar a marcha do inimigo que obnubila e desfigura nossas mais caras
tradições. E convocam – para o combate diuturno que se há de travar contra
aquele inimigo.
A estratégia de guerra anunciada é simples: tomem-se por armas o
intelecto e a cultura individual. O combate perene para o qual todos são
convocados exige a assimilação dos ideais da Academia. O impulso para isso há
de ser dado pela marca que seus fundadores pretendem imprimir na realidade
cultural dos dois municípios irmãos. O combate implica, mediante uso das armas
antecitadas, o resgate dos bons exemplos legados pelo passado e a valorização
de um notável patrimônio material e espiritual, traduzido este pela riqueza das
tradições coletivas e do conjunto das histórias de vida de muitos dos que nos
precederam, forjando a saga do povo do Baixo Mearim.
Prezados confrades,
Nós, idealizadores e fundadores da instituição com tal perfil e com
tais fins, temos, portanto, um enorme desafio auto-imposto. É desafio que se
agiganta, quando se sabe que, pelas especificidades desta Academia, congregando
representantes de bases territoriais diferentes, seu funcionamento, em variados
aspectos, requer considerável exercício de criatividade e abnegação pessoal,
como constatamos na fase preparatória de sua fundação. Eis o quadro: a Academia
deverá ser exemplo de instituição cultural e agente de produção e revitalização
da cultura, enquanto procurará manter-se viva, com a estrutura organizacional
inédita que adotou: duas seções, duas sedes, obrigatoriedade da alternância de
vitorienses e ararienses na sua direção, etc.
Todavia, não seremos pequenos. Esta entidade, surgida ao raiar do
século XXI e, por conseguinte, no albor do terceiro milênio da Era Cristã, será
um marco na história de Arari e de Vitória do Mearim.
Nasce a Academia negando a existência de diferenças substanciais entre
os povos dos dois municípios. Temos a mesma origem histórica, sob o signo da
cruz, a compasso com a guerra feita aos silvícolas Gamela e Guajajara das
ribeiras do Mearim e do Grajaú. Nossas árvores genealógicas têm as mesmas raízes
e são pródigas nos entrecruzamentos de Batalhas, Bogeas, Cutrins, Ericeiras,
Fernandes, Maciéis, Prazeres, Ribeiros, Rodrigues Chaves, etc. Impossível é não
identificar nas raízes tubulares ou na densidão dos galhos dessas imensas
árvores o passado genético comum de um determinado vitoriense ou arariense.
Nasce a Academia repudiando o passado de bairrismo pueril que cindiu e
distanciou os devotos de Bom Jesus dos Aflitos dos devotos de Nossa Senhora de
Nazaré.
Seguirá a Academia ciente de que, somados os frutos da inteligência dos
povos irmãos, representados pelos seus membros, o porvir será culturalmente
rico e feliz para todos.
Mas terá algum valor pugnar por esse resgate de valores culturais? E, em
caso afirmativo, terá sentido fazê-lo por meio de uma academia de letras?
Em verdade, a atitude de resgatar valores culturais perdidos nas brumas do
passado e a de salvá-los quando ameaçados de extinção significam,
respectivamente, o restauro do fio da história de um determinado povo e o
exercício da vigilância que impedirá novas perdas. Por terem negligenciado em
tal mister, cometido, indistintamente, a todos os indivíduos unidos pelos laços
da história comum, muitos povos se tornaram fracos e perderam até o domínio
sobre sua vida político-administrativa. Desconhecendo a obra monumental de
construção de sua identidade cultural, realizada pelos ancestrais, determinado
povo perde o referencial histórico-social, desintegra-se em células sem
perspectiva e fica à mercê das aventuras políticas sem compromisso com o bem
comum. Vale dizer, com o escritor Antonio Olinto: um povo sem memória está morto e não sabe, porque nem memória ele tem
para saber que está morto. Eis porque não somente é necessário velar pelas
coisas da cultura em Arari e Vitória do Mearim, como em qualquer lugar deve ser
feito, mas também é urgente empreender a valorização do que nos é caro como
legado cultural, à vista do perigo que nos espreita sempre.
Estamos que esse desiderato pode ser alcançado, sim, pela atuação da
Academia Arariense-Vitoriense de Letras. Afinal, o próprio teor do compromisso
assumido pelos seus dirigentes nesta solenidade, que repete o disposto no
artigo 1º dos seus estatutos, não dá margem a dúvidas.
É certo que academias de letras, de praxe, não se ocupam do estímulo às
manifestações culturais populares nem à sua difusão, mas o fazem somente em
relação à cultura erudita. Esta, entretanto, até em função do perfil de alguns
dos seus patronos, reconhecidamente agentes de cultura popular, não se furtará
a discutir formas e meios de atuação nessa área, para recomendação aos
organismos interessados ou obrigados a intervir. Embora não possa ter
participação executiva, poderá atuar com proposições, o que já será um avanço
em setor da vida cultural tão desprestigiado entre nós, assim no plano das
idéias como no das ações.
A prova maior desse descaso morreu há poucos dias, nesta semana. Refiro-me
a Rosaldo Simplício Moreno, conhecido como Rosa
Bobagem. O mais talentoso compositor e cantador de toadas de bumba-boi
desta região morreu e não se concretizou o sonho, por muitos de nós acalentado,
de ver gravadas em disco suas toadas mais representativas. Pelos relatos
impregnados do fantástico e do misterioso que correm acerca de sua vida de
cantador, certamente Rosa Bobagem, sem demora, será uma das muitas lendas que
habitam o imaginário popular local. Nosso confrade Aírton Marinho, aderindo ao
verso imortal de Nélson Cavaquinho na canção Quando eu me chamar saudade, quis dar a Rosa Bobagem as flores que
ele merecia, em vida; quis dar-lhe o carinho, a mão amiga, para aliviar seus
ais, produzindo um disco cujo produto da venda ajudasse o poeta popular.
Procurou, debalde, apoio financeiro para o projeto junto a quem tinha e tem o
dever de emprestá-lo. Sou testemunha disso. Talvez um dia, agora que Rosa está
morto, saia o disco. Ele, porém, em ritmo de toada, certamente entoará, do céu,
o restante da mesma música de Nélson Cavaquinho: Depois que eu me chamar saudade/ Não preciso de vaidade/ Quero preces e
nada mais.
No contexto de seus objetivos estatutários, o trabalho desta Academia será
marcante em vários aspectos, seja promovendo concursos e eventos que ponham em
destaque a produção cultural de cunho individual dos vitorienses e ararienses,
seja simplesmente funcionando nos moldes previstos no seu Regimento Interno, de
forma a manter programa permanente de incentivo à leitura e de estímulo à
produção artística, científica e literária. Em outra direção, ao traçar os
perfis biográficos dos seus patronos, tarefa das mais urgentes, constituirá um
conjunto de informações do qual exsurgirá boa parte da própria história do
Baixo Mearim, mormente no século XX. Como ignorar, por exemplo, que a biografia
dos padres Eliud Nunes Arouche e Clodomir Brandt e Silva contam uma boa parte
da história dos nossos municípios, onde exerceram seu paroquiato?
Desta forma, não há negar: a Academia Arariense-Vitoriense de Letras é
instituição competente para resgatar, valorizar e defender a nossa cultura, de
um modo geral. A Academia pode, deve e vai cumprir esse importante papel.
Não estará inovando ao atuar dessa maneira. A bem da verdade,
espelhar-se-á em sua congênere de âmbito estadual, hoje inegavelmente presente
no cenário cultural maranhense, graças ao estilo destemido e operoso do seu
presidente Jomar Moraes, que nos honra e encoraja com sua presença nesta noite.
O conceito de “academia” sofreu alterações ao longo do tempo e as
academias de letras do nosso país não passaram incólumes por esse processo, ao
longo da sua existência. De nome do parque de Atenas que sediava ginásio e
jardim doados pelo herói grego Academos, onde Platão reunia seus discípulos,
séculos antes de Cristo; passando pelo ressurgimento do termo para designar as
reuniões de humanistas nos séculos XV e XVI, na Itália e na França, em oposição
às Universidades; até o surgimento da Academia Francesa, em 1634, com a função
de fiscalizar o uso da língua francesa e de opinar sobre os livros publicados,
um longo caminho fora percorrido. Fundada a Academia Brasileira de Letras, em
1896, nos moldes da francesa, sofreu a instituição duro golpe desferido por
Graça Aranha, um dos nossos patronos, que, em 1924, no célebre discurso “O
espírito moderno”, feito na Casa de Machado de Assis, afirmou ter sido um erro
sua fundação, por suporem os primeiros acadêmicos que a entidade forjaria uma
tradição cultural e não o inverso, que a tradição cultural, para ele ainda
inexistente, deveria conduzir à constituição de uma casa daquele quilate. De
qualquer forma, ponderou: já que existe,
que viva e se transforme, deixando permear-se pelo sopro da vida exterior que
desconhece, despertando os acadêmicos da sonolência em que se afundaram.
O fato é que de 1922, ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo, que
Graça Aranha ajudou a promover, até os dias de hoje, embora com períodos intercalados
de lentidão, mudou, certamente, o perfil das academias de letras. Verifique-se,
para exemplificar, o papel de grande organização não-governamental que hoje
desempenha a Academia Brasileira de Letras e a presença definitiva e marcante
da Academia Maranhense de Letras na vida cultural do Estado, com seus 91 anos
de idade, inclusive na execução de um plano editorial que põe nas estantes dos
contemporâneos as obras de referência da historiografia e da literatura local.
A Academia Arariense-Vitoriense de Letras, recém-nascida, comete um ato de
audácia: proclama que seguirá os passos de suas congêneres maiores e que não
perderá de vista o ensino de Graça Aranha – abrir-se ao desconhecido que pulsa
extra-muros e não se deixar cair na inoperância, vala comum em que jazem os
desanimados, pobres de espírito e covardes. Afinal, não é esse o exemplo que
nos legaram nossos patronos.
Como cair no desânimo, ignorando a lição de vida ofertada por cada
patrono?
Para não ir longe na evocação de biografias, lembremo-nos do Pe. Eliud
Nunes Arouche e do Pe. Clodomir Brandt e Silva. Ocuparam posições de destaque,
cada um como sacerdote, político e educador, em Vitória e Arari,
respectivamente, por, mais ou menos, metade do século que ora agoniza. Pe.
Eliud, de 1923 a 1969; Pe. Brandt, de 1944 a 1998. Se não bastasse tudo o que
fizeram, só o fato de terem dominado a cena em importantes setores da vida
social, por 50 anos, cada qual, deixando vivamente marcada a passagem por este
mundo, seria o bastante para considerá-los os homens do século no Baixo Mearim,
independentemente do juízo favorável ou não que se possa fazer deste ou daquele
aspecto de suas vidas.
Mas não só desses exemplos, ficando ainda no século que se finda,
viverá nossa Academia. Miremos outra trajetória de vida. Trata-se da história
de um homem definitivamente emblemático para nossa Academia, porque nascido na
região, diferentemente dos vigários antecitados, e herói dos dois municípios,
pois, nascido em um deles, viveu a maior parte da vida no outro e deixou
parentes, amigos e sementes de esperança em ambos. Descendente da família
Maciel, nasceu em Santa Joana do Japão - Vitória do Mearim, em 1916. Alfaiate
em Arari, criou e educou com honra e desvelo sua prole. Mudando-se com a
família para São Luís em 1970, concluiu com êxito os seus estudos, até então de
nível primário, indo do curso de madureza ginasial à Faculdade, formando-se em
1981, aos 65 anos de idade, ainda com vigor suficiente para escrever e publicar
dois livros, de memórias, poesia e crônicas. Faleceu aos 81 anos. Por tudo
isso, talvez tenha sido ele, verdadeiramente, o homem do século no Baixo
Mearim, um homem simples, decidido a alcançar seus objetivos e a deixar um
registro da sua luta como luzeiro para as futuras gerações. Chamava-se José Soares.
É patrono da cadeira fundada por seu próprio filho nesta Academia, Dr. Éden
Soares.
Diante desse exemplo de obstinação em busca de um ideal, como imaginar
desânimo futuro diante das agruras que – é certo – enfrentaremos? Não nos é
lícito cruzar os braços e desistir, diante do desafio provocado pela lembrança
incessante de José Soares. Desesperar, jamais. Debandar, nunca. Não temos o
direito de recuar frente aos obstáculos naturais para empreendimento tão
grandioso.
Talvez surjam dois ou três profetas da catástrofe e vaticinarão o fim
da Academia, sem demora, anunciando-a perdida em meio ao desânimo, ao descaso e
à desunião dos seus membros. Sempre aparecem os vates do infortúnio! Mas serão
falsos profetas a pregar no deserto, pois nossa academia é filha da convicção
de ararienses e vitorienses preocupados com a memória histórico-cultural de sua
região. Por isso, ela seguirá firme, fruto do desejo desses irmãos de
sustentarem-na inviolável.
Chegando ao fim desta modesta oração, vale buscar nos versos de Trajano
Galvão de Carvalho, outro patrono da nossa Academia, o incentivo para a
caminhada. Colocando-se na pele de um negro escravo aquilombado, cantou nosso
poeta a fortaleza da vontade deste, ao enfrentar a condição servil:
Como reina a nudez na tapera,
No meu peito a vontade é que
impera,
Aqui dentro só ela dá leis:
Se cometo uma empresa gigante
Co’o bodoque ou co’a flecha
talhante,
A vontade me brada – podeis.
Daí-nos, ó Deus, o império da vontade no peito, editando a lei da
persistência para a empresa gigante de manter viva e atuante a Academia
Arariense-Vitoriense de Letras!
Muito obrigado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário