NO ANIVERSÁRIO DE VITÓRIA DO MEARIM,
UMA MEMÓRIA SOBRE OS SÍMBOLOS MUNICIPAIS,
30 ANOS DEPOIS
Por: Washington Luiz Maciel Cantanhêde
Há trinta anos, em solenidade realizada pela Câmara
Municipal de Vitória do Mearim, então presidida por mim, eram apresentados os
símbolos oficiais do Município.
A solenidade foi o cumprimento de uma obrigação imposta pela
Lei Municipal Nº 7-A, de 1º de dezembro de 1990, que instituiu tais símbolos,
cujo projeto tinha sido de minha iniciativa antes de ser eleito presidente da
Câmara, em parceria com João Batista Jardim Borges (João Macário), que na Casa
representava a região do Lago Açu, ainda pertencente ao Município.
Decidiu-se pela data de 19 de abril de 1991 para a referida
apresentação porque então se completariam os 160 anos de um movimento dos
moradores mais destacados de Vitória do Mearim, em abril de 1831, traduzido por
uma representação pela sua emancipação política, encaminhada à Câmara de São
Luís, considerando que a região em que habitavam preenchia os requisitos legais
para obter autonomia, pois, “dando sete eleitores, tinha maior número de fogos
dos que os exigidos para a criação de qualquer vila”. A emancipação viria
somente dois anos depois, por decisão do Conselho Geral da Província do
Maranhão, adotada em sessão realizada no dia 19 de abril de 1833, mas a
iniciativa dos vitorienses, dois anos antes, foi deveras importante para isso,
pois verbalizara com sólidos argumentos o desejo de autonomia.
Se não tinha sido fácil, em 1990, obter a aprovação do
projeto de lei instituindo os símbolos e sua efetiva conversão em lei (eu e meu
colega João Macário éramos da bancada de oposição, minoritária; e a lei não
recebeu sanção expressa do prefeito municipal, precisando ser promulgada pelo
presidente da Câmara, vereador José Aguiar, depois de muita insistência minha),
melhor sorte também não teve a sessão solene do Poder Legislativo para sua
apresentação: foi boicotada pelos membros do Executivo, que não compareceram ao
ato e ainda realizaram festividades paralelas, descumprindo a lei municipal que
previu uma realização conjunta dos dois poderes locais para marcar o transcurso
do aniversário do Município e dos 160 anos do movimento pela sua emancipação
(artigo 19).
Embora parcialmente prejudicada, também, pela forte chuva
que caiu sobre a cidade na tarde de 19 de abril de 1991, o comparecimento popular
à solenidade não decepcionou. Em meio aos discursos proferidos pelos vereadores
do grupo de oposição, pois os que apoiavam o prefeito e seu governo também não
compareceram, ao som dos dobrados executados pela Banda Paroquial e com a
presença do autor da letra e da música do hino municipal, Sr. José de Ribamar
Duarte, vitoriense nascido no povoado Lapela, conhecido em São Luís como Tio
Zeca, os símbolos foram apresentados.
O povo recuperou, então, a emoção e o fascínio que lhe
causava aquela bandeira multicor utilizada com entusiasmo nos atos oficiais a
partir de 1971, mas que, de meados dos anos 1980 até aquele momento (abril de
1991), não passava de uma pálida lembrança. Pálida, decrépita e distante, por
sinal. É que remanescia um dos dois exemplares que foram confeccionados em
1971, mas estava desbotado, puído e com paradeiro ignorado.
O povo passou, desde então, a conviver diariamente com a
evocação de sua própria história, representada pelo brasão emoldurado posto em
local de destaque na Câmara Municipal; e também passou a ter um hino para
cantar, do qual podia orgulhar-se, intitulado Soberano, composição de um
conterrâneo em homenagem ao Rio Mearim e sua ribeira de histórias mil.
A bandeira começara a ser utilizada em 1971, quando era
prefeito municipal o Sr. Cristóvão Dutra Martins, que mandou confeccioná-la em
São Paulo, a cargo do heraldista Arcinoé Antônio Peixoto de Faria, e que obteve
sua aprovação pela Câmara Municipal, em agosto daquele ano, embora sem
apresentar, para isto, um projeto de lei, como era exigido. Esse símbolo,
portanto, não fora instituído oficialmente. E, com o tempo e o descaso, acabou
relegado ao esquecimento.
A restauração do brasão e da bandeira, esta contendo aquele,
foi trabalho individual meu em um primeiro momento, socorrendo-me de algumas
fotografias onde a bandeira aparecia parcialmente, de um texto com sua
descrição heráldica (cedido por Dr. José de Ribamar de Matos, ex-prefeito) e de
pesquisa em várias fontes, inclusive obras raras de referência, como a Grande
Enciclopédia Luso-Brasileira. Ao final, e já com o auxílio artístico e o
empenho característico do conterrâneo Airton Marinho, que elaborou o brasão em
xilogravura e contratou experientes profissionais do bairro Madre Deus, em São
Luís, foram confeccionados três exemplares bordados da bandeira. Um deles, com
esmerado acabamento, que durante muito tempo ficou na Sala das Sessões da
Câmara Municipal, dali foi depois retirado a pedido de um prefeito, a pretexto
de mandar fazer outro igual, para nunca mais ser devolvido nem visto, tampouco
saber-se aonde foi parar.
O hino, composto por Tio Zeca em dezembro de 1981 sob
encomenda da administração municipal, não recebeu a importância devida. Instado
por meu colega João Macário, que me propôs a apresentação de um projeto de lei
criando o hino municipal, eu, que também já alimentava a ideia, sabedor da composição
de autoria de Tio Zeca, procurei contactá-lo para obter uma cópia do trabalho,
o que consegui mediante a ajuda de meu pai, Antônio Duarte Cantanhede, também
músico e conhecido dele. A partitura obtida foi adaptada para cada instrumento
musical pelo maestro Vicente Antônio Gonçalves (Vicente Braga), que, à frente
da Banda Paroquial, já o executava naquele tempo. Sua letra é simples, de forte
apelo popular – o que é muito bom.
A instituição dos símbolos era não só o cumprimento de uma
determinação da Lei Orgânica do Município (artigo 5º), mas a restauração de um
bem cultural menosprezado (bandeira e brasão nela contido) e um caso de justiça
para com o conterrâneo Tio Zeca.
Apresentados esses símbolos, publicamente, na tarde do dia
19 de abril de 1991, o que se seguiu foi a generalização do seu uso até hoje,
apesar da tentativa de eclipsá-los naquela ocasião, ou de eclipsar os
responsáveis pela sua instituição. Já no dia 7 de setembro de 1991,
presenciava-se em frente à Prefeitura Municipal, ao fim do tradicional desfile
estudantil alusivo ao Dia da Pátria, o hasteamento da bandeira do Município
simultaneamente à execução do seu hino, da forma como foram instituídos. Nas
camisas do fardamento escolar, no timbre dos documentos oficiais locais, nos
desfiles, nos jogos de futebol, nos feriados cívicos, nos cortejos fúnebres de
autoridades ou ex-mandatários etc., é uma constante a presença do brasão ou da
bandeira municipais e, dependendo do caráter festivo que o ato tenha, a
execução do hino, do qual sobressai o refrão: Óh, gleba querida!/Teu nome é
Vitória./És minha vida, és meu amor/E minha glória.” Há 30 anos, sem
interrupção...
Estou muito feliz hoje, apesar do momento difícil que
atravessamos. Em meio à pandemia de covid-19, que manifesta a sua face mais
cruel no Brasil destes dois últimos meses, acabei de assistir, no facebook, a
uma interessante releitura do hino, em ritmo de samba, cantado pelo nosso
artista popular Edivaldo Brito, com acompanhamento de outros músicos da terra.
Vitória completa: trinta anos depois, os símbolos
vitorienses são, definitivamente, do povo de Vitória do Mearim!
(São Luís do Maranhão, 19 de abril de 2021)