Texto: Dr.
Washington Maciel Cantanhede
O ano de 2021 alberga
os aniversários de três importantes fatos da história recente de Vitória do
Mearim, todos ligados à vida de grandes figuras do universo político local: 70
anos da posse de Lourenço Pereira Pinto e 60 anos da posse de Urany Gusmão da
Costa no cargo de prefeito municipal; e 30 anos da morte do prefeito Jorge
Moisés da Silva, provocando o retorno de José de Ribamar de Matos,
vice-prefeito, ao comando da municipalidade.
Sobre o último
acontecimento, ocorrido em maio de 1991, discorreremos em outra oportunidade.
Cuidemos, agora, dos dois primeiros, considerando a atualidade dos respectivos
aniversários, que se completam exatamente em 31 de janeiro de 2021.
Lourenço Pinto,
músico e político vitoriense de origem humilde, chegou a experimentar, após
trabalho incansável, situação econômico-financeira avultada como próspero
comerciante e proprietário rural, residente no povoado Laje Comprida.
Em meados do século
20, Pedro Lopes Gonçalves, Antônio Nilo da Costa e Sebastião da Costa Sampaio
dominavam a cena política de Vitória do Mearim, todos tendo exercido o cargo de
prefeito municipal. Amigo deles, Lourenço Pinto foi indicado candidato a
prefeito municipal na eleição de 1950, que disputou derrotando o candidato da
oposição, Eduardo Pereira, apoiado pelo pároco local, Pe. Eliud Nunes Arouche,
não sem sacrifícios, pois, segundo ele, precisou vender parte de seu gado para
custear a campanha eleitoral. Governou durante metade do mandato, de 31 de
janeiro de 1951 a junho de 1953, quando, por força das circunstâncias políticas
locais (compromisso político-partidário, pré-eleitoral, de natureza
coronelista, padrão político da época), teve de afastar-se do cargo, entregando
a administração ao vice-prefeito José Gervásio Maciel, que completou o
quinquênio do mandato, findo em 30 de janeiro de 1956.
Lourenço Pinto foi o
único prefeito de Vitória a divulgar realmente, logo que finda a gestão, um
autêntico relatório de sua administração, com pública prestação de contas, que
fez imprimir e distribuir. No documento, traçou o perfil do seu governo,
citando o “rombo” que encontrou nas finanças do Município e a importância que
deixou em cofre; e que não deixara dívidas para seu sucessor pagar – coisa
raríssima –, deixando, ao contrário, quase 300 mil cruzeiros para construção de
um posto médico na cidade de Vitória, obra que, por sinal, não se realizaria.
No relatório, elencou suas realizações, que foram muitas, apesar da escassez de
recursos financeiros naquela época, cumprindo os compromissos assumidos na
campanha eleitoral, entre as quais merecem destaque: inauguração da primeira
luz elétrica da cidade, em 7 de setembro de 1952, produzida por gerador de
propriedade do Município; implantação de um programa de construção e
recuperação de obras públicas, das quais restam alguns metros de cais na orla
ribeirinha da cidade; aquisição de instrumentos musicais para organização da
Orquestra Municipal, os quais foram utilizados durante décadas seguidas por uma
geração de músicos da terra; e aquisição, em 12 de novembro de 1952, do
primeiro carro que transitou permanentemente em Vitória do Mearim: um caminhão
marca Ford, da Prefeitura.
Deixou o cargo de
prefeito sem se locupletar dos dinheiros públicos, como é geralmente lembrado
na cidade até hoje. E acabou saindo da Prefeitura em situação econômica pessoal
inferior àquela em que a assumira, mas de cabeça erguida, sem ter beneficiado
ilegalmente a si nem à sua família. Governou com a Lei Orgânica dos Municípios
(era uma para todo o Estado) aberta, ao alcance da mão, como gostava de
enfatizar o respeito que devotou ao princípio da legalidade em sua
administração.
Ao final do
quinquênio 1951-1956, em meio ao caos político-administrativo reinante, e de
literal escuridão (a cidade já não brilhava sob iluminação elétrica), foram
eleitos Raimundo Antônio Maciel (Dico Maciel), também residente em Laje
Comprida, e José Maria Gonçalves (filho primogênito de Pedro Gonçalves) para
prefeito e vice-prefeito, respectivamente, derrotando o candidato do grupo do
Padre, Miguel Moisés da Silva.
Coube ao vice José
Maria assumir a Prefeitura de 1957 em diante, por motivo de licença do titular,
que preferiu cuidar de seus interesses particulares.
Historicamente, o
mais importante da passagem de José Maria Gonçalves pela Prefeitura de Vitória
do Mearim foi a ponte que aquiesceu em construir para a eleição de Urany Gusmão
da Costa (“Punim”) a prefeito municipal, tendo como vice José Maria Rodrigues, cargos
que os dois exerceram no quinquênio de 31 de janeiro de 1961 a 30 de janeiro de
1966, representando o grupo do Padre, enfim, vitorioso.
Punim, filho de
criação do Padre Eliud, derrotou, naquela eleição, dois candidatos a prefeito:
José Maciel e, ironicamente, Lourenço Pinto... Mesmo o gestor mais operoso do
passado, somente porque era remanescente deste, não conseguia fazer face aos
ventos da mudança...
Urany foi apoiado por
expressivas lideranças da política estadual. José Maria Gonçalves rememorava,
inclusive, que Bernardo Pires Leal, diretor do Banco do Estado do Maranhão,
pretendente a uma vaga na Assembleia Legislativa, intermediou seu apoio à
candidatura de Urany, o que ele concedeu ao conterrâneo somente após receber o
consentimento do pai, Pedro Gonçalves, então magoado e rompido com Antônio Nilo
da Costa.
E foi assim que,
finalmente, surgiu sangue novo na administração pública vitoriense, iniciando
uma nova fase na história local, a qual, embora ainda prisioneira de velhas
práticas político-eleitorais coronelistas, levou a uma mudança de mentalidade
administrativa, consentânea com os rumos que o Brasil já começara a trilhar.
Na gestão de Urany
Gusmão da Costa foi restabelecida a iluminação pública de Vitória, mediante
funcionamento de dois motores de geração de energia elétrica obtidos através da
Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste-CERNE. Na mesma época, surgiu o
Hospital e Maternidade Aliete Belo Martins, primeiro estabelecimento de saúde
da cidade (nunca houvera o posto médico programado por Lourenço Pinto...). E
foram dessa época muitas outras realizações impactantes na vida social da então
modorrenta cidade.
O grande historiador
britânico Eric Hobsbawm, em sua obra A Era dos Extremos: o breve século XX,
situa o referido século não de 1901 a 2000, como a lógica recomenda, mas entre
1914 e 1991, considerando a ocorrência, nesses anos, dos dois fatos
delimitadores do tempo no século passado: a deflagração da Primeira Guerra
Mundial e a queda da União Soviética. Apropriado o paradigma, e adaptado à
realidade do nosso burgo, não é exagerado dizer que, se Lourenço Pereira Pinto,
com sua gestão operosa e transparente, sinalizou a entrada, finalmente, de
Vitória do Mearim no século XX, Urany Gusmão da Costa foi quem encarnou,
efetivamente, a mudança que fez, com 60 anos de atraso, o Município ingressar
no século passado, quando os herdeiros políticos do Padre Eliud assumiram o
comando político e administrativo local. Foram eles que nos legaram aquilo que,
em suas bases mais sólidas, é o Município atual. Não é à toa que não existem
livros de atas da Câmara Municipal anteriores a 1959...
Lourenço Pereira
Pinto, nascido em 10.08.1901, tentou ainda, sem sucesso, eleger-se vereador de
Vitória do Mearim em 1976. Em 1987, a 6 de maio, morria, pobre, nesta cidade, o
homem que rompeu as trevas não só da densa noite vitoriense, mas também da
ignorância e do atraso administrativo local. Nome de rua na sede do Município
(homenagem que lhe foi prestada em vida por seus ex-adversários que então
comandavam o Município), como músico, honra a cultura vitoriense pela inclusão
de composições suas na coleção organizada pelo saudoso Padre João Mohana,
intitulada A grande música do Maranhão, hoje no acervo do Arquivo Público do
Estado.
José Maria Gonçalves,
nascido em 25.12.1920, que foi ponte do passado para o futuro de Vitória do
Mearim, futuro que seu povo, há 70 anos, vem teimando em construir, morreu a 26
de abril de 2007.
Urany Gusmão da
Costa, nascido em 01.12.1930, que também foi vereador em duas legislaturas
(1955-1959 e 1977-1983), faleceu a 28 de março de 2015. Seu companheiro de
mandato, o vice-prefeito José Maria Rodrigues, nascido em 31.05.1929, que
também seria vice de Cristovam Dutra Martins (1970-1973), candidato a prefeito
vencido por Jorge Moisés da Silva em 1976 e vereador em várias legislaturas,
faleceu a 14 de agosto de 2018.
Para que seus feitos
não caiam na escuridão do esquecimento e seus nomes não se apaguem jamais, a
Academia Vitoriense (Instituto de Literatura, História e Geografia, Artes e
Ciências) conta, entre os patronos das cadeiras de seus membros efetivos, com
os numes tutelares de Lourenço Pereira Pinto e Urany Gusmão da Costa, entre
outros vultos históricos de Vitória do Mearim.